Entre janeiro e abril deste ano, pelo menos 14,2 mil estudantes da rede municipal de ensino tiveram aulas suspensas por conta da violência urbana. Alunos de 41 unidades de ensino foram prejudicados no período. Dessas escolas, 32 foram obrigadas a suspender as aulas por insegurança nos bairros onde funcionam e, outras nove, devido a arrombamentos, de acordo com balanço da Secretaria Municipal de Educação (Smed). Além de transtornos para os familiares, a rotina de medo causa crises de ansiedade nos alunos.
Quando soube da notícia de que a Escola Municipal Permínio Leite, no Dois de Julho, havia sido roubada no final do mês passado, Patrícia, 35, se preocupou. Ela é moradora do bairro desde criança e conta que a criminalidade cresce a cada dia. A proximidade da violência ficou evidente com o arrombamento do colégio em que a filha de 6 anos estuda.
“Eu fiquei muito insegura depois do roubo. Ela [a filha] ficou três dias sem vir para a aula, não tive coragem de trazê-la”, afirma a mãe. As aulas da unidade foram suspensas no dia 20 de março, depois que funcionários perceberam que a escola havia sido invadida. Criminosos roubaram um computador, uma televisão e outros objetos de valor. Em fevereiro deste ano, uma outra unidade escolar foi invadida no Imbuí. Os colégios que foram fechados correspondem a 9,7% do total de 421 unidades de ensino em Salvador.
Quando a criança que deveria estar na escola precisa ficar dentro de casa, o sofrimento é de toda a família. Patrícia trabalha fora e precisou contar com a mãe para cuidar da filha pequena durante o dia.
A quantidade de alunos que ficaram sem aula nos primeiros quatro meses do ano representa 10% do total de estudantes da rede municipal de ensino, que é de 142,2 mil. Além de prejudicar o programa pedagógico, as interrupções favorecem o abandono escolar, na visão de Thiago Martins, secretário de Educação de Salvador. “A insegurança causa prejuízo emocional e pedagógico pois quando a aprendizagem é interrompida, as crianças e os jovens perdem oportunidades de crescimento e desenvolvimento. As desvantagens são desproporcionais para os estudantes menos privilegiados, que tendem a ter menos oportunidades educacionais além da escola. Também causa estresse nos professores, que podem gerar agravamento de doenças e o afastamento do trabalho”, analisa.
Quando os arrombamentos não são motivo para a suspensão de aulas, é a violência entre grupos armados e policiais que prejudica o cotidiano de milhares de famílias. Nas últimas semanas, a intensificação do conflito em Tancredo Neves prejudicou dois mil alunos dos colégios estaduais Helena Magalhães e Edvaldo Fernandes, que não tiveram aula. A Secretaria de Educação da Bahia (SEC) foi questionada, mas, até a publicação desta reportagem, não respondeu quantos alunos da rede estadual ficaram sem aula neste ano.
Rotina de medo
A fachada da Escola Municipal de Pernambués não esconde que a unidade escolar está imersa em um cenário de disputa. As pichações com os dizeres “luto” inibem moradores das proximidades de falarem sobre a insegurança no bairro. “A gente prefere não comentar, só de ver o muro aí dá para perceber o clima”, diz um homem que mora na região.
No final de fevereiro, cerca de 730 alunos de três colégios municipais ficaram sem aula depois de um intenso tiroteio na madrugada do dia 23. O episódio ocorreu na localidade conhecida como “Baixa do Manu”, na Avenida São Paulo, e os ônibus pararam de circular na região.
Não sentir coragem de levar o filho mais novo para o colégio faz parte da realidade de Elizabeth, 37. A autônoma sofre quando o menino de 7 anos precisa ficar em casa. O menino está no espectro autista e a socialização com os colegas é essencial para o seu cotidiano.
Os alunos mais velhos também sofrem com o medo dentro dos colégios. Uma estudante de 10 anos contou à reportagem que um colega teve uma crise de ansiedade na escola depois que um barulho o assustou. “Todo mundo fica com medo. Hoje mesmo, alguma coisa bateu no portão e fez um barulho muito alto. Um amigo ficou muito ansioso, precisamos acalmar”, diz.
Entre fevereiro e março, ao menos 2 mil alunos tiveram as aulas suspensas pela própria Secretaria Municipal de Educação de Salvador nos bairros da Palestina e Plataforma. Para Larissa Neves, pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança, a insegurança que tira crianças das escolas é consequência direta da “guerra às drogas” – política de enfrentamento adotada pelas forças de segurança do Estado.
Para combater a violência e garantir o direito à educação, o secretário Thiago Martins afirma que medidas estão sendo tomadas pela gestão municipal. Segundo ele, todas as unidades construídas nos últimos anos contam com sistema de monitoramento de câmeras, que também serão instaladas em unidades antigas.
“Uma série de medidas de segurança foram adotadas em caráter permanente, como a Ronda da Guarda Municipal, que vai atuar nas imediações das unidades escolares. Os gestores também receberão treinamento para aprender a lidar em situações relacionadas à violência, ampliação do monitoramento das escolas com a instalação de sistemas de alarmes, que acionará de imediato uma viatura”, pontua o secretário de Educação.
Em quatro meses, arrombamentos já representam 60% do total do ano passado
As nove escolas que sofreram arrombamentos nos quatro primeiros meses do ano correspondem a 60% do total de unidades escolares invadidas no ano passado. No ano passado, 15 tiveram o funcionamento interrompido por esse motivo, de acordo com o secretário Thiago Martins. Ainda segundo o titular da pasta, em somente uma unidade mais de R$150 mil tiveram que ser gastos para reparar os danos.
“A escola também é vítima da ausência de uma segurança pública eficaz, que é responsabilidade do Estado”, pondera. Durante a assinatura de uma ordem de serviço no mês passado, o prefeito Bruno Reis (União Brasil) avaliou a interrupção de atividades de ensino por conta da violência. Segundo ele, o fechamento das escolas pode prejudicar a avaliação dos estudantes da rede pública no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)
“Faltam menos de 100 dias para que os estudantes passem por essa avaliação [Ideb]. Não tenho dúvidas que a onda de violência que impede o funcionamento das escolas é muito prejudicial para o desempenho dos nossos alunos”, afirmou. O gestor municipal também cobrou que a segurança pública seja mais efetiva e que garanta o funcionamento das escolas.
Questionada, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) afirmou que nenhuma instituição de ensino foi alvo do crime organizado e solicitou que a rede municipal dialogue com a polícia antes do cancelamento de aulas. A SSP destacou ainda que, nos 100 primeiros dias do novo governo, 30 criminosos e 16 armas de fogo foram apreendidas por dia, em média, no estado.
Lista das escolas que tiveram que suspender as aulas em 2023 por questões de segurança:
1- Cmei Abdias Nascimento – Nova Brasília de Valéria
2- Cmei Calabar – Alto das Pombas
3- Cmei Cantinho da Criança – Águas Claras
4- Cmei Cecy Andrade – Sussuarana
5- Cmei Dep. Lourival Evangelista da Costa – Plataforma
6- Cmei Maria Rosa Freire – Palestina
7- Cmei Tereza Mata Pires – Lobato
8- Cmei União da Boca do Rio – Boca do Rio
9- CPP Cassange – Cassange
10- CPP Sussuarana – Sussuarana
11- Escola Municipal 22 de Abril – Tancredo Neves
12- Escola Municipal Alita Ribeiro – Vale dos Lagos
13- Escola Municipal Anfrísia Santiago -Tancredo Neves
14- Escola Municipal Antônio Carlos Peixoto de Magalhães – Rio Sena
15- Escola Municipal Armando Carneiro – Praia Grande
16- Escola Municipal Cabula I – Tancredo Neves
17- Escola Municipal da Palestina – Palestina
18- Escola Municipal de Pernambués – Pernambués
19- Escola Municipal Durval Pinheiro – Alto da Terezinha
20- Escola Municipal Frei Leônidas Menezes – Pernambués
21- Escola Municipal Helena Magalhães – Boa Vista de São Caetano
22- Escola Municipal Jandira Dantas – Palestina
23- Escola Municipal Joaquim Magalhães – Itacaranha
24- Escola Municipal Madre Helena Irmãos Kennedy – Pernambués
25- Escola Municipal Manoel Barradas – Ilha Amarela
26- Escola Municipal Manoel Francisco do Nascimento – Sussuarana
27- Escola Municipal Manoel Maximiniano da Encarnação – Sussuarana
28- Escola Municipal Manuel Faustino – Plataforma
29- Escola Municipal Maria Conceição Santiago Imbassahy -Tancredo Neves
30- Escola Municipal Maria Dolores -Tancredo Neves
31- Escola Municipal Maria Felipa – Tancredo Neves
32- Escola Municipal Novo Horizonte – Sussuarana
33- Escola Municipal Olga Mettig – Nova Brasília de Valéria
34- Escola Municipal Paulo Mendes – Rio Sena
35- Escola Municipal Permínio Leite – Dois de Julho
36- Escola Municipal Professora Alexandrina dos Santos Pita – Pirajá
37- Escola Municipal Santa Terezinha – Alto da Terezinha
38- Escola Municipal Senhor do Bonfim – Plataforma
39- Escola Municipal Soror Joana Angélica – Nazaré
40- Escola Municipal Úrsula Catarino – Plataforma
41- Escola Municipal Vovô Zezinho – Arenoso
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