Em entrevista ao site Política Livre, a vice-presidente da OAB-BA, a advogada Ana Patricia Dantas Leão, disse que rompeu com o atual grupo que ajudou a eleger
Ela salienta que, diante de escândalos como a Operação Faroeste, a Ordem se apequenou e adotou um silêncio incompreensível. Operação que desvendou a venda de sentenças no Tribunal de Justiça da Bahia com a participação de magistrados e advogados.
A vice-presidente da Ordem na Bahia diz ainda que a instituição tem sido também apática na defesa de advogados e advogadas.
Confira principais trechos da entrevista abaixo:
Política Livre – A senhora pertenceu à gestão atual há até pouco tempo. A senhora pretende ser candidata à presidência da OAB-BA? Como espera ser identificada como candidata à oposição?
Ana Patrícia Leão – Sim, sou pré-candidata à disputa eleitoral pela presidência da OAB/BA. Nos últimos dois exercícios [2016-2018 e 2019-2021], fui eleita para o cargo de vice-presidente, função que exercerei até o último dia do atual mandato, em 31 de dezembro de 2021. Não me considero candidata de oposição, mas candidata independente, de renovação. A OAB/BA precisa ser mais efetiva e mais próxima dos muitos problemas das advogadas e advogados.
Por qual motivo a senhora resolveu se afastar desse grupo ao qual pertenceu?
Os motivos são muitos. Comecei a minha a caminhada institucional junto ao grupo do qual me afastei. Iniciei uma caminhada entusiasmada, empolgada e muito motivada porque enxergava identidade de valores, projetos e propósitos para a advocacia e a OAB. Mas, com o tempo e, sobretudo, com a maturidade política que adquiri ao longo dessa jornada, que perfaz quase 9 anos, testemunhei a mudança de propósitos de parte do grupo, o desapego aos valores que nos uniram e uma apatia quanto à defesa da advocacia, em especial durante esta pandemia. No momento em que a advocacia mais precisou da força da OAB, o sonho de ações alvissareiras e combativas cedeu espaço para a letargia e a timidez institucional. A OAB tinha o dever de, durante a pandemia, apresentar caminhos e soluções, mas preferiu se calar. Advogadas e advogados não se escondem, não se calam. Somos a voz e a força que movimenta a sociedade.
O vice-presidente nacional da OAB, Luiz Viana Queiroz, disse que o grupo que comanda a entidade na Bahia, do qual ele faz parte, vai lançar candidato e vencer as próximas eleições da Ordem. Em que medida isso é verdade?
Bom, tenho todo o respeito e apreço a Luiz Viana. Dele e em relação a ele somente direcionarei a minha admiração pessoal e todo o meu apreço. Quanto a vencer as eleições, digo por mim e pelo meu grupo, que haveremos de lutar pela advocacia! Haveremos de ter ideias novas num mundo novo! Haveremos de olhar a advocacia e os seus problemas! A eleição da OAB é momento de propostas e de reflexão! Essa obsessão por ganhar eleição não é compatível com a missão institucional da OAB! Quem quer apenas vencer se esquece de apresentar rumos para os milhares de advogadas e advogados e constrói apenas caminhos que levam a si mesmo. Portanto, eu digo que haveremos de lutar por uma OAB que seja forte em seus valores e plural, sempre altiva e independente, voltada ao fortalecimento da advocacia.
Luiz Viana também alega que a política que se faz na OAB não é diferente da partidária, o que preservaria os grupos que a comandam da “fadiga de material” comum na política partidária. A senhora concorda?
Eu não li essa manifestação de Luiz Viana e tenho muita dificuldade de acreditar nisso. A luta partidária é uma disputa entre partes, numa sociedade partida. Por isso se chama partido e não inteiro. Mas a OAB é inteira e plural. A eleição da OAB não marca cenários em que um lado perde e o outro ganha, mas apresenta caminhos em que toda a advocacia precisa trilhar. A proposta de quem deseja dirigir a OAB/BA só pode ser uma: a OAB “de advogadas e advogados” para a advocacia e, também, para toda a sociedade.
A senhora, quando apresentou carta em que comunicou a sua desvinculação do grupo que hoje comanda a OAB na Bahia, apontou que faltava representatividade. Inclusive quando falou do papel da mulher, ressaltou que esse não poderia ser meramente figurativo, como uma bandeira, mas real. Como tornar efetiva a pluralidade na OAB?
Acredito que a minha ruptura, por si só, já impôs mudanças nos rumos da OAB. Se eles não desejavam democratizar o espaço de poder, agora não terão opção, pois para fazer frente à força do movimento que estou liderando me parece que não terão opção senão ceder espaço para que as mulheres protagonizem o debate político e institucional, algumas com independência, outras, poucas certamente, como longa manus
daqueles que desejam se manter no poder.
A senhora também disse que é preciso ter coragem para enfrentar o Judiciário que “sufoca, apequena e fragiliza” os advogados. A senhora não vê essa disposição para realizar esse enfrentamento atualmente?
Do final de 2019 até o momento presente, a advocacia e a sociedade baiana foram surpreendidas por dois importantes fenômenos: a pandemia do Covid-19 e a Operação Faroeste (que investiga vendas de sentenças para esquentar terras griladas no Oeste do Estado). Os dois fenômenos, em conjunto, potencializaram a crise do Poder Judiciário baiano e a desvalorização da advocacia. Diante desses fenômenos, a OAB silenciou, se apequenou, num silêncio constrangedor e não compreendido. Toda crise é sempre uma excelente oportunidade para mudanças, para enfrentamentos, para o debate propositivo, sendo esse o papel da OAB, apontar caminhos e soluções. Mas o que se viu foi uma Ordem tímida, o que seguramente contribuiu para ampliar a maior crise da história da advocacia no Estado. Durante a pandemia a Justiça baiana humilhou a advocacia.
Além dessas questões citadas, quais outros problemas a senhora enxerga na OAB atualmente? E Como resolvê-los?
A OAB precisa recuperar a sua independência e altivez. Voltar a ser a voz da cidadania, a força da advocacia e a casa da democracia. Como resolvê-los? Eu lhe digo. Em 1994, na África do Sul, Nelson Mandela, após ser libertado da prisão política que lhe foi imposta, liderou o movimento contra o apartheid para pôr fim à segregação racial entre brancos e negros no seu país. O povo africano, cansado de tanta humilhação, desejava e clamava pela luta armada, mas Nelson Mandela, o maior líder político da África do Sul, conclamou o seu povo a utilizar a mais poderosa de todas as armas: o voto! E nas eleições ocorridas em 1994, o povo africano, pela primeira vez em sua história, foi para as ruas exercer a maior de todas as conquistas democráticas: o direito ao voto. Votaram e elegeram Nelson Mandela o primeiro presidente negro da África do Sul, mudando para sempre a história do povo africano. A nossa história quem faz somos nós. E, na Bahia, no próximo dia 26 de novembro de 2021, a advocacia terá a oportunidade de fazer a opção pelo continuísmo ou pela independência da OAB. Eu já fiz a minha escolha.