O que já era preocupante no Recôncavo e na região Norte do estado, agora também é uma ameaça à segurança pública na capital baiana. A segunda maior facção carioca, o Terceiro Comando Puro (TCP), está em Mussurunga e quer tomar a Vila Verde. A aliança com o Bonde do Maluco (BDM), selada no início do ano passado em Santo Amaro da Purificação e Jacobina, está desde abril escancarada na Vila: as iniciais das facções marcam os muros das casas e pontos comerciais. E essa condição explica, de fato, a tensão na região que já dura mais de 20 dias, inclusive com a ocupação da Polícia Militar.
A “dobradinha” BDM/TCP, que deve acirrar ainda mais o cenário da guerra do tráfico, se deu através do traficante santamarense conhecido como Cabeça, quando ele cumpriu pena em Bangu 1, no Rio de Janeiro, há alguns anos. De volta a Santo Amaro, Cabeça passou a gerenciar o tráfico nos bairros de Nova Santo Amaro e Sacramento, uma das principais áreas de atuação do BDM. A junção do Terceiro Comando com o Bonde, a mais forte facção baiana, é para fazer frente à expansão do Comando Vermelho (CV) na Bahia, pois o CV também é rival do TCP no Rio. Já em Salvador, a chegada do TCP resultou em ataques intensos em Vila Verde, nos primeiros dias de abril.
“Esse pessoal do BDM veio com essa outra turma [TCP] para pegar o pessoal daqui, vivemos nesse inferno. É tudo culpa de Paulinho, o Paulo Henrique. Disse que quando a polícia sair, ele vai voltar pior. Já divulgou áudio dizendo que pode levar dez anos, mas vai tomar aqui de qualquer jeito”, contou uma senhora revoltada com a situação, que preferiu não se identificar. Segundo ela, Paulinho liderava o tráfico em Vila Verde até a chegada do CV, quando foi expulso há mais de cinco anos. Desde então, ele se juntou com os traficantes de Colinas de Mussurunga, área de atuação do BDM.
Vila Verde é a única localidade dominada pelo CV que margeia a Avenida Aliomar Baleeiro, sendo cercada por bairros como Mussurunga e Parque São Cristóvão, onde o BDM tem atuação histórica. O objetivo da aliança é acabar de vez com arquirrival, impedindo-o de chegar em outras regiões. Em 2020, o CV se estabeleceu em Salvador após absorver o Comando da Paz (CP), trazendo do Rio mais armas (fuzis com mira laser e granadas) e efetivo, tornando a Vila praticamente uma muralha.
Com o Terceiro Comando Puro, o Bonde do Maluco obteve o reforço que precisava. A partir da metade de abril, as investidas da aliança passaram a ser frequentes e os “bondes” (grupos de homens armados) conseguiram avançar no território do inimigo, marcando o feito com as iniciais “BDM/TCP” em alguns pontos do final da Rua Jardim Botânico, trecho próximo ao Condomínio Alphaville II. As pichações foram registradas pela reportagem durante as inúmeras idas para apurar os acontecimentos em Vila Verde entre os meses de abril e maio. Apesar da aliança, o CV ainda controla Vila Verde e sua presença é mais nítida no entorno das vias principais do bairro: Rua Vila Verde, Rua Planalto Verde e início e meio da Rua Jardim Botânico.
Os moradores viveram momentos de terror. Casas foram atingidas durante os confrontos, imóveis foram invadidos e até destruídos pelos traficantes. Muita gente saiu do bairro às pressas, o transporte público foi suspenso mais de uma vez e a Escola Municipal Laura Sales de Almeida está há mais de 20 dias fechada. Corpos foram encontrados após tiroteios. Este cenário, levou a Polícia Militar a ocupar a região com a instalação de uma base móvel.
“A situação melhorou um pouco. Não é como antes, que todos os dias a gente dormia e acordava com a guerra deles. Às vezes escutamos um tiro e outro, mas sempre do lado de lá [Mussurunga]. A polícia está aqui, mesmo assim a gente está com medo. Eu mesma fiquei traumatizada. Quando o relógio marca 3h, acordo assustada, na tensão de uma bala atravessar minha janela, porque tudo acontecia nesse horário. Era tiro para todo o lado”, relatou uma dona de casa, sem se identificar, moradora da Rua Esperança de Vila Verde – o final da via dá acesso a uma área de mata, que separa o bairro de Mussurunga, onde boa parte dos confrontos aconteciam diariamente.