O feirense que pediu por paz na virada de 2022 para 2023 está vendo o contrário nas ruas de sua cidade nos primeiros dias do ano. É que, de acordo com dados da Polícia Civil, em pouco mais de 15 dias, 26 mortes violentas foram registradas no município. O número já representa 76% das mortes em todo o mês de dezembro do ano passado, quando 34 aconteceram. No meio do fogo cruzado, o sentimento que ecoa na cidade é o medo.
“A partir das 17h quero nem mais ver a rua. Caiu noite, a coisa está pegando por aqui. No meu serviço, a gente saía às 17h30 e estão liberando uma hora mais cedo para não ter problema na volta”, conta um morador que prefere não se identificar, por medo. De acordo com ele, os episódios recentes deixaram todos com receio de ocupar a cidade e até comentar sobre a situação.
Uma outra moradora, que trabalha em unidades de saúde da cidade, conta que até o serviço de atendimento é afetado pela situação. “Tem chegado bastante relatos na última semana. No domingo, o SAMU informou que não estava levando pacientes para o bairro do Queimadinho por causa dos tiroteios. Eles costumam entrar com a Guarda Municipal, mas dessa vez nem assim dava para ir”, lembra ela.
A percepção dela se comprova nos dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA). Isso porque, até o dia 10 de janeiro, 16 mortes tinham acontecido, oito a menos que no mesmo período de 2022, quando houve 24. Em sete dias, porém, de acordo com a informação da gestão municipal, mais dez foram registradas em território feirense.
Facções como vetor
A Polícia Civil (PC) não confirmou os dados informados pela prefeitura, mas indicou que o principal vetor da violência na cidade é a disputa entre grupos criminosos envolvidos com o tráfico de drogas. Sem dizer quantos, a polícia informou que prendeu envolvidos em algumas dessas ocorrências e deflagrou a Operação Pacificatio, que tem continuidade com ações de inteligência para prender os autores dos demais casos.
O clima de tensão entre as facções é percebido até por quem não mora lá, mas faz atendimentos nas unidades de saúde, como a profissional ouvida anteriormente. “A facção da Rua Nova é inimiga da facção do Queimadinho. Na Rua Nova, não tem raio-x e, às vezes, a gente precisa transferir o paciente para fazer o procedimento e eles se negam porque, se pisarem lá, já era”, relata ela, exemplificando o problema.
Um outro morador, que também prefere não dizer o nome, explica que todo mundo tem ciência do que há por trás da violência. “A gente sabe que, em algumas regiões de Feira, a briga entre facções é algo muito forte, principalmente nas zonas periféricas. Quase todos os dias ouvimos falar que morreu alguém por conta disso, mesmo que às vezes nem esteja envolvido, mas por estar no meio dessa zona de guerra”, diz ele. Por conta da situação, inclusive, ao menos seis escolas e unidades de saúde precisaram fechar as portas na semana passada em Feira.
A consciência do vetor dessas mortes, no entanto, não evita surpresa de quem reside por lá com a atual guinada no volume de ocorrências de tiroteios e mortes causadas por esses confrontos. ”Recentemente, tem aumentado bastante o número de notícias ruins sobre esse assunto e tem extrapolado os limites. Não me sinto seguro de andar pelas ruas de Feira a noite pois sei que a qualquer momento posso ser surpreendido negativamente. Não existe hora e nem lugar. Eles se matam principalmente por comando de território”, conta.
Não só são as ruas que se afetam com o problema. No dia 7 de janeiro, três presos foram mortos no Conjunto Penal de Feira de Santana, sendo que dois deles foram encontrados decapitados. De acordo com a direção do presídio, o crime tem relação com uma onda de homicídios ocorrida fora da unidade. Na véspera e no mesmo dia das três execuções, seis homens foram mortos em Feira, incluindo um caso de duplo homicídio. No entanto, a direção acredita em um racha dentro de uma facção – não revelada por eles – e não em uma questão entre rivais.
Pedido de reforço
A gestão municipal observa a situação de violência com preocupação. O prefeito de Feira de Santana, Colbert Martins (MDB), diz que a cidade não tem uma política de segurança adaptada e que faz sentido considerando o movimento e a agressividade dos grupos criminosos que se encontram por lá. Por isso, pede que a gestão estadual repense as estratégias implantadas na cidade para combater os avanços das facções.
“É uma situação que vem numa crescente permanente. Essas mortes são exemplos disso. […] Não é uma questão das polícias, que fazem sua parte, mas sim do governo. Pela situação geográfica e logística do município, precisa ter uma visão muito mais forte para resolver”, afirma Colbert.
O prefeito diz ainda que está iniciando as conversas com o governo em sua nova gestão. No entanto, já afirma que o número do efetivo de policiais militares na cidade está aquém do que deveria ser para ter a mínima capacidade de combate ao crime organizado.
“Feira de Santana tem quatro companhias de polícia. Uma dessas atua na zona rural e atende mais outros dois municípios. Entendemos que é necessário um reforço muito maior da presença da polícia militar e das ações de combate. Estamos no epicentro de uma violência que precisa ser entendida pelo governo de uma forma completamente diferente do que foi até hoje”, complementa.
A SSP-BA informou que 27 viaturas, entre elas uma semiblindada, e 19 motocicletas foram entregues para unidades do Comando de Policiamento da Região Leste (CPRL), na última sexta-feira (13), em Feira de Santana. Ainda segundo a secretaria, as ações de combate aos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) estão reforçadas para pegar os responsáveis pelos crimes registrados na última semana.
Apesar dos dados recentes, a PC divulgou números que apontam para uma redução de 14,6% nas mortes violentas de 2021 para 2022. É que, em 2021, foram registrados 383 casos de CVLIs na região de Feira; em 2022 foram registrados 327.
Por Wendel de Novaes