A nota técnica do Ministério da Saúde sobre a possibilidade do aborto em qualquer período da gestação traz informações polêmicas e controversas; entre elas a de que o feto “provavelmente não é capaz de sentir dor”. Após a divulgação do documento, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, suspendeu a nota com a justificativa de que ela não passou por “todas as esferas necessárias”.
Ao longo do texto, a nota elenca uma série de argumentos para defender que os abortos aconteçam em qualquer período gestacional e tenta contrapor uma nota técnica emitida em 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que declarou que, após a 21ª semana de gestação, “o abortamento toca a prematuridade e, portanto, alcança o limite da viabilidade fetal”.
Em um dos pontos, a nota suspensa nesta quinta-feira (29) diz que, “até o nascimento, quando ocorre a separação do recém-nascido do ambiente uterino, o feto muito provavelmente não é capaz de sentir dor”. Para justificar seu argumento, a pasta alega que “estudos com animais sugerem a possibilidade de um estado intrauterino permanente de inconsciência”.
ESTUDOS E ARTIGOS CITAM PRESENÇA DE DOR
A constatação, porém, é bastante controversa e não condiz com informações presentes em estudos e artigos científicos. Um estudo de 2020, realizado por pesquisadores médicos, incluindo o especialista em dor britânico Stuart Derbyshire, diz de maneira clara que “a neurociência não pode descartar definitivamente a dor fetal” até mesmo antes das 24 semanas.
– Não consideramos mais a dor fetal (como uma sensação central e imediata), em uma janela gestacional de 12 a 24 semanas, como algo impossível com base na neurociência – concluem os pesquisadores.
A presença de dor no feto também é apresentada em um artigo publicado por acadêmicos de Medicina e por um professor do curso da Universidade Federal de Goiás (UFG) em 2022. No texto, intitulado A dor fetal à luz da bioética, publicado na revista Bioética Cremego, é dito que “existem fortes teorias que sustentam a existência da dor fetal”.
Na conclusão, o texto científico chega a declarar expressamente que “há concordância na literatura de que, após 30 semanas, os fetos já possuem desenvolvimento nervoso e hormonal suficientes para perceber a dor e reagir a ela”.
– A dor fetal conflui com os temas dos procedimentos fetais realizados na Medicina moderna, com as medicações necessárias para manejar o feto, as interrupções de gestações e a consciência de que o feto pode ser considerado um segundo paciente – finaliza.
Por Paulo Moura