“Mostraram ao vivo que minha casa tinha sido arrombada. José Eduardo disse que muita gente ajudou e eu não vi um centavo das doações”, diz o ambulante Adriano Lima, 38 anos, que trabalhava na Praça do Sol, em Periperi. Em setembro do ano passado, depois de ter móveis, eletrodomésticos e itens de trabalho furtados da sua casa, no bairro de Nova Constituinte, ele teve a situação exibida pela TV Itapoan/ Record, no programa Balanço Geral.
O ambulante é uma das vítimas do golpe das doações enviadas por Pix que está sendo apurado pela emissora e pela polícia. Funcionários do programa, incluindo jornalistas, tomaram posse de cerca de R$ 800 mil. Os valores seriam destinados a pessoas em situação de vulnerabilidade social e grave doença que passavam na programação pedindo ajuda, mas acabavam caindo nas contas de funcionários que não foram identificados ou apontados pela empresa.
Procurada pela reportagem, a emissora disse que tem conhecimento do caso e já está agindo. “A RecordTV Itapoan, assim que recebeu as denúncias, apura os fatos e tomará todas as medidas legais cabíveis para o caso”, escreve.
A Delegacia de Repressão ao Estelionato e Outras Fraudes (DreofCyber) já apura a situação, de acordo com a Polícia Civil. “A DreofCyber iniciou as investigações acerca de uma fraude, cujo funcionários de uma emissora de televisão são suspeitos de cometer contra telespectadores. […] Os responsáveis serão intimados na unidade policial”, confirma a PC, sem identificar quantos e quem seriam os suspeitos do crime.
Como a bomba estourou
Segundo informações, a emissora só tomou conhecimento da fraude depois que o jogador de futebol Anderson Talisca, ex-Bahia, doou um valor para uma criança com câncer e procurou a família para checar como estavam e colocar a doação no imposto de renda. Informado de que não teriam recebido dinheiro algum, o atleta acionou a produção da TV Itapoan/Record. Procurada para se manifestar sobre o caso, a assessoria de Anderson Talisca não respondeu até o fechamento desta matéria.
A reportagem teve acesso a áudios de um funcionário da emissora, que prefere não se identificar. Enquanto confirma a situação, ele aponta que o desvio do pix das doações não era algo novo e os valores do golpe podem ser ainda maiores.
“Descobriu agora, mas imagine o que vinha acontecendo há anos. Um já foi demitido, está esperando o outro voltar de férias. Acredito que ele só vai aparecer aqui com o advogado”, conta, apontando dois repórteres e um editor como responsáveis.
Os valores que teriam entrado na conta dos suspeitos e eram para o ambulante Adriano Lima foram requisitados por ele através de redes sociais, por telefone e até presencialmente. “Eu liguei, mandei mensagem e fui lá em setembro, novembro e dezembro. Quando liguei, dava ocupado número. Nas mensagens, ninguém me respondia. Lá na sede da emissora disseram que não estavam recebendo ninguém por causa da covid-19. Resultado: fiquei sem a ajuda que era pra mim”, diz.
Repúdio interno
Os responsáveis pela TV Itapoan/Record garantiram que o caso vai ser tratado com rigor e as medidas cabíveis serão tomadas. Diretor de jornalismo, Gustavo Orlandi, confirmou o compromisso da empresa com a investigação do caso. Principal nome à frente das câmeras, o apresentador do programa Balanço Geral, José Eduardo, fez, nesta segunda-feira (13), a primeira manifestação pública sobre o caso.
Ele começou o programa falando sobre honestidade, defendeu sua história pública e disse ter orgulho da equipe com a qual trabalha diariamente no programa. Depois disso, convocou os telespectadores a continuarem buscando ajuda em seu programa. “Você que precisa da rede Record continue vindo à porta da emissora, pedindo ajuda, e nós faremos de tudo para te ajudar. Bandido nenhum vai me impedir de ajudar o povo”, disse, sem citar nomes.
O apresentador pregou punição aos envolvidos em caso de confirmação dos desvios. Conforme ele, o jurídico da emissora “está trabalhando para encontrar e apontar os culpados”. Procurado pela reportagem para dar mais detalhes sobre o caso e como os desvios teriam sido descobertos, José Eduardo disse que não pode mais falar porque é vítima, assim como os integrantes da emissora que não estão envolvidos no golpe.
O ex-deputado estadual Marcell Moraes usou das suas redes sociais para acusar o repórter Marcelo Castro, de ser um dos jornalistas da emissora envolvido no escândalo do pix (veja aqui).
Com informações do Correio