“Quando um amigo está com problemas, ele pede ajuda aos amigos. E os amigos sempre estão aí.” A declaração do presidente da Argentina, Alberto Fernández, durante a visita oficial a Brasília na última segunda-feira, 27, poderia ser traduzida em apenas três palavras: “Queremos seu dinheiro”.
O “amigo” seria o Brasil. E a “ajuda” viria do bolso dos cidadãos brasileiros, que com seus impostos financiariam a enésima tentativa de resgate da economia argentina. Quatro anos de governo peronista provocaram a mais nova catástrofe econômica daquele que já foi um dos mais ricos países do mundo.
A Argentina registra uma inflação de quase 115% ao ano. Uma previsão do Produto Interno Bruto (PIB) de -3,5% em 2023 e -2% em 2024. Reservas em dólares zeradas. Metade da população que passa fome. E uma dívida pública de cerca de US$ 277 bilhões.
Após ter contribuído a gerar tamanha devastação econômica, Fernández não teve coragem de se candidatar à reeleição no pleito previsto para o dia 22 de outubro. Mesmo assim, veio ao Brasil com o chapéu na mão pedindo socorro financeiro.
Uma articulação desesperada para tentar ajudar o seu candidato à Presidência, o peronista Sergio Massa, atual ministro da Economia. O objetivo é procurar recursos externos — ou seja, dos brasileiros — que aliviem a situação calamitosa da economia até a eleição. Depois dessa data, que sea lo que Dios quiera.
Somente a dívida externa argentina corresponde a cerca de 80% das reservas internacionais brasileiras, que totalizam US$ 346 bilhões. Mesmo querendo, seria impossível resgatar os hermanos.
No momento, o maior problema é que faltam fisicamente dólares no país vizinho. A irracional teimosia do governo peronista em manter um câmbio mais baixo do que deveria junto com a repressão monetária, carga tributária excessiva e gasto público desenfreado provocaram uma corrida dos argentinos em comprar dólares. E guardá-los fora do país, longe das garras do governo, ou até mesmo em casa.
Sem dólares, a argentina não consegue adquirir produtos do exterior, já que os exportadores de outros países não aceitam pesos — nem o iuane chinês, ou outras “moedas alternativas”. Não obstante a insistência de Lula em querer “superar o dólar no comércio internacional”. O desabastecimento dos supermercados argentinos já começa a aparecer. E a economia está cada vez mais paralisada pela impossibilidade de importar insumos.
Todavia, na melhor tradição das esquerdas latino-americanas, para as quais os números são meras expressões do “neoliberalismo”, Lula está tentando fazer de tudo para salvar o “muy amigo“. Não apenas por uma questão de afinidade ideológica, mas também por questões sentimentais.
Laços políticos entre Lula e Fernández
Fernández foi um dos políticos estrangeiros que visitaram Lula durante sua detenção, na sede da Polícia Federal (PF), em Curitiba, em 2019. O então candidato à Presidência da Argentina declarou “estar do lado de Lula” proclamando a inocência do petista.
Quatro anos depois, Fernández se tornou um dos visitantes mais assíduos do Palácio do Planalto. Em menos de seis meses de mandato, Lula já encontrou o homólogo argentino cinco vezes. Mais do que fez com 20 de seus ministros.
Durante a última peregrinação de Fernández a Brasília, ocorrida com a desculpa de celebrar os 200 anos de relações bilaterais, Lula prometeu ajuda, através de um “plano de ação para o relançamento da aliança estratégica” para aquilo que definiu um “projeto conjunto de desenvolvimento”.
Detalhes não foram divulgados. Aparentemente, grande parte da bolada seria o financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a construção do gasoduto “Néstor Kirchner”, que deveria ligar o campo de gás Vaca Muerta até Buenos Aires. Valor total do desembolso: cerca de US$ 700 milhões (cerca de R$ 3,5 bilhões). Além de fornecer crédito para importar produtos brasileiros.
Ou seja, os brasileiros pagarão pela construção de um gasoduto que vai beneficiar a capital argentina e para financiar o consumo dos cidadãos argentinos, melhorando seu teor de vida. Mesmo se a renda média do argentino é 50% maior do que a do brasileiro, em termos de PIB per capita.
O governo Lula quer financiar novas obras na Argentina mesmo com a dramática carência de infraestruturas no Brasil. Por exemplo, metade da população brasileira não tem acesso a saneamento básico, enquanto quase 100% dos argentinos têm água encanada e esgoto em casa. As prioridades, evidentemente, deveriam ser outras.
Dar dinheiro aos argentinos é impopular. E ilegal
Só que, no meio dessa vontade incontível de Lula em ajudar Fernández, existe um obstáculo aparentemente incontornável: a lei.
Lula não pode fornecer recursos diretamente para a Argentina com uma canetada. Para atingir os cofres públicos brasileiros, precisaria da aprovação do Congresso Nacional. Com essa composição, está fora de cogitação.
Não pode também pedir ao BNDES para emprestar dinheiro diretamente ao país vizinho, pois as regras do banco público de fomento impõem que sejam financiados somente projetos de infraestrutura. E sempre passando pelo crivo do Tribunal de Contas da União (TCU).