A Bahia “legalizou” o uso de laranjas por gestores públicos municipais em votação acelerada às vésperas do recesso parlamentar da Assembleia Legislativa da Bahia, no final de 2021. Pelo menos é o que pensam agentes políticos, juristas e técnicos da Casa, após um projeto de lei ser votado e aprovado pelo parlamento baiano.
Aprovada em 22 de dezembro, de autoria do deputado Rosemberg Lula Pinto (PT), a lei n. 14.460/2022 proíbe que gestores públicos sejam responsabilizados ou sofram a sanção de multas, aplicadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), quando não ficar comprovado o desvio de recursos em benefício próprio ou de familiares, ou quando não existirem provas de que o gestor agiu com dolo (intenção) no desvio.
No dia 4, após decorrido o prazo para sanção e sem que houvesse manifestação do governador Rui Costa (PT), a Assembleia Legislativa promulgou o texto.
Sem ter sido aplicada em nenhum outro estado da federação, a lei abre brechas para que cada vez mais “laranjas” sejam usados por prefeitos na Bahia para encobrir os chamados “crimes de colarinho branco”.
Há também o entendimento de um forte compadrio entre deputados estaduais e prefeitos, no sentido de enfraquecer a atuação do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) . Em ano eleitoral, como é o de 2022, muitos gestores municipais atuam como puxadores de voto (cabos-eleitorais) para candidatos ao legislativo. Enfraquecer os instrumentos de fiscalização do TCM favorece os prefeitos e secretários que desejam lesar o erário público. Em outras palavras, a nova lei torna mais difícil responsabilizá-los por ações de improbidade e desvio de verba.
LEI INCONSTITUCIONAL
O presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas, Ismar Viana, em contato com o Jornal da Metropole, ainda pontua que a lei traz inconstitucionalidades e inaugura preceitos inéditos de irresponsabilização em todo o país.
“A Constituição do Estado da Bahia estabelece em seu Art. 91, XIII que cabe ao TCM ‘aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa, irregularidade de contas ou descumprimento de suas decisões, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao vulto do dano causado ao Erário”, diz.
Ainda segundo Viana, além da inconstitucionalidade, a nova lei compromete a atuação dos Tribunais de Contas e o acionamento dos sistemas de responsabilização por atos de improbidade administrativa e pela prática de crimes contra a Administração Pública.
“Quando você trata da aplicação ou vedação de multas o que acontece, na prática, é o entendimento que cada tribunal vai aplicar uma multa em caso de ilegalidade e despesa. Nisso, existe a multa sanção, que é pós julgamento e a multa reparação, que a nova lei veda. Como a mudança condiciona essa multa a necessidade de comprovação de desvio para o próprio gestor, ele abre espaço para que terceiros sejam beneficiados e isso incentiva o uso de laranjas”, completa Viana.
AÇÃO NA JUSTIÇA
Autor da lei, o deputado petista Rosemberg Pinto defende que o novo texto vai dar segurança ao gestor público.
“Aquele que se dispõe a servir ao povo não pode passar anos de sua vida respondendo por atos dos quais não agiu com dolo e nem se beneficiou de qualquer ação em detrimento ao erário”, justifica o parlamentar.
Para o auditor Ismar Viana, no entanto, o entendimento é o contrário. “A gestão de recursos públicos pede uma cautela daquele que vai gerir porque ele não está gerindo o que é dele. E, sim, o que é de todos. Quem tem o poder de gerir os recursos têm o dever de prestar contas”, pontua.
“Não há qualquer tribunal que tenha condicionado a multa à aquele dano a quem tenha sido beneficiado, o que há é uma análise onde se a gravidade da conduta, da própria infração em si. Se o gestor agiu com consciência e vontade de lesar o patrimônio? Será que a culpa foi tão grave a ponto de se considerar um erro grosseiro?”, explica o presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas.
Para mudar a situação, no entanto, é preciso urgência na ação de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça da Bahia. O presidente da AL-BA, Adolfo Menezes (PSD), disse que “a Justiça, através do STF, deve dirimir esta questão”, julgando a inconstitucionalidade ou não.
O Jornal da Metropole solicitou ao Estado da Bahia um posicionamento nesse sentido, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.
Chayenne Guerreiro/Jornal da Metropole