Ele é Roberto Badaró. Estou diante de um dos maiores infectologistas do Brasil e um dos 119 melhores cientistas do planeta. Nesta entrevista, que durou três horas, o pesquisador-chefe e professor titular do Instituto Senai de Sistemas Avançados em Saúde do Senai Cimatec (ISI-SAS) lembra, com riqueza de detalhes, de diversos momentos ao longo dos seus 71 anos de idade, celebrados no último dia 4 de janeiro. Como da vez em que imobilizou o braço da irmã de criação, quebrado durante uma corrida de carrinho de rolimã, na Avenida Tiradentes, bairro do Caminho de Areia onde morava com os pais e mais cinco irmãos. A ação rápida – podemos chamar de primeiros-socorros – envolveu um pedaço de madeira e uma camiseta, livrando Joana de complicações até o atendimento no hospital. A destreza da criança de nove anos (a idade de Badaró, na época) era, na verdade, a manifestação de um dom: “Ali foi minha primeira realização de médico”.
Depois, vieram diversas outras realizações, mas, uma das mais importantes (talvez a mais importante de todas), é recente: ele cuidou de si próprio quando contraiu o coronavírus, em dezembro de 2020, no auge da pandemia. “Usei a máxima ‘médico, cura-te a ti mesmo’. Como eu estudei a doença, pertenci a um comitê internacional de estudos sobre a covid (lia mais de 200 artigos por dia), sabia o que estava funcionando”, ressalta o infectologista, que também publicou mais de 20 artigos sobre o vírus. Badaró decidiu se tratar em casa, mesmo tendo 75% do pulmão comprometido. “Os médicos do mundo inteiro erraram muito ao intubar os doentes desnecessariamente, porque não entendiam bem a diferença entre hipoxemia (baixo nível de oxigênio no sangue) e insuficiência respiratória, que são duas coisas diferentes. Nem todo doente com hipoxemia está com insuficiência respiratória. Mas, todo doente com insuficiência respiratória tem hipoxemia”, explica.
“Os médicos do mundo inteiro erraram muito ao intubar os doentes desnecessariamente, porque não entendiam bem a diferença entre hipoxemia (baixo nível de oxigênio no sangue) e insuficiência respiratória, que são duas coisas diferentes”
À frente do Centro de Tratamento da Covid, no Hospital Espanhol, único equipamento público exclusivo para a doença no Brasil, o médico ajudou a curar mais de cinco mil pessoas. No total, entre o hospital e o consultório particular, foram mais de 18 mil atendimentos. Agora, como pesquisador-chefe e professor do Senai Cimatec, orienta a produção da vacina RNA MCTI CIMATEC HDT, primeiro imunizante contra a covid com tecnologia de replicon de RNA a ser desenvolvido no Brasil. Antes de se especializar em infectologia (que antigamente era conhecida como ‘doenças infecciosas e parasitárias’), Roberto Badaró pensava em ser neurocirurgião. O motivo: o pai morreu vítima de um AVC hemorrágico quando tinha apenas 38 anos. Ele tinha 11.
O pequeno Roberto chegou a vestir a camisa do Esporte Clube Ypiranga, mas seu Joaquim Pereira Alves Badaró só liberava o filho depois das tarefas da escola. “Eu adorava jogar bola. Jogava no time do bairro, o União. Também joguei no aspirante do Ypiranga. Era bom jogador, jogava como centroavante. Não era um Neymar, mas jogava bem”, brinca o hoje torcedor do Vitória. Formado em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), o currículo como professor, cientista e pesquisador é extenso, inclusive fora do Brasil, em universidades norte-americanas como a de San Diego, na Califórnia, e Cornell, em Nova York. Seus trabalhos na área de infectologia, com destaque para Aids e leishmaniose, são referenciais no mundo todo.
Entre 2015 e 2017, foi subsecretário de Saúde da Bahia. No final do ano passado, decidiu entregar ao então governador Rui Costa um programa com soluções para melhorias no setor. Entre as sugestões estava a criação de um prontuário unificado com informações de saúde sobre os pacientes, que pudesse ser acessado em qualquer parte do Brasil: “Com isso, se reduz o custo da saúde em 50 por cento”, garante.Em breve, o consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS), ex-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia e ex-vice-presidente da Sociedade Internacional de Doenças Infecciosas lança uma autobiografia. A experiência de quase-morte com a covid estará no livro: “Não tive medo de morrer. O grande segredo é esse: a morte chega quando domina você”.
O senhor tem lembrança do momento em que decidiu ser médico?
Meu pai era administrador de empresas, minha mãe era professora, mas nunca exerceu a função. No meu núcleo familiar não havia médico. O único médico que eu conhecia era meu padrinho de crisma, professor Faculdade de Medicina da Bahia, Dr. Edgar Pires da Veiga, eu o admirava muito. Quando fui estudante de medicina, ele ainda foi meu professor. Um dia, nos anos 70, meu padrinho me chamou em seu escritório e me disse: ‘você tem de ser um bom médico. Pra isso, tem de fazer as três atividades básicas da medicina: assistência, ensino e pesquisa. Sigo até hoje o seu conselho.
Fale um pouco da sua família
Nós somos uma família de seis filhos. As pessoas perguntavam pra minha mãe, dona Digia: ‘e esse menino, vai ser o quê?’ Ela dizia: ‘Vai ser médico!’. Meu pai era um homem muito generoso. Adotou uma menina chamada Joana. Um dia, a gente brincando de carrinho de rolimã, que eu mesmo fiz, Joana caiu e quebrou o braço. Ela ficou chorando (eu morava ali na Avenida Tiradentes, Caminho de Areia), peguei um pedaço de pau, coloquei no braço, eu e meu irmão Joaquim amarramos uma tipóia, feita com a minha camisa, e penduramos no pescoço dela e colocamos no braço quebrado. Botamos ela no carrinho de rolimã e saímos correndo pra casa. Meu pai a levou para o hospital. Esta, foi minha primeira realização de médico. Diagnostiquei uma óbvia fratura, pois o braço de Joana fazia um L. Eu tinha nove anos. Deste dia em diante, quando me perguntavam o que ia ser quando crescer, dizia, sem titubear: ‘médico!’.
Por que a infectologia?
Quando fiz vestibular, só coloquei uma única opção para ingresso em um curso nas áreas afins. A maioria dos meus colegas colocava medicina, odontologia e farmácia. Eu tinha certeza que queria medicina. Meu pai faleceu em 24 de dezembro de 1962, eu era pequeno. Ele teve um AVC hemorrágico aos 38 anos, e eu queria ser neurocirurgião. Enquanto estudava na UFBA, dava aula de química nos colégios Antônio Vieira, Social e Maristas. Minha vida era muito dura, mas, ainda assim, figurava entre os dez melhores alunos da faculdade. A obsessão para ser neurocirurgião foi se desvanecendo. Naquele tempo (anos 70) morria muita gente, porque não havia exames de tomografia e ressonância magnética, só tinha raio-x e angiografia contrastada (uma radiografia em que aplicava-se o contraste e enfiava o cateter pela carótida para ver se o paciente tinha o hematoma ou tumor cerebral). Desencantado, pois morriam quase todos os pacientes pós-neurocirurgia, eu disse a mim mesmo: não quero isso, não. Aí, procurei o professor Rodolfo Teixeira, meu grande mestre. Ele tinha a habilidade de orientar os jovens estudantes de medicina para a especialidade que deviam seguir. Lembro-me como se fosse hoje: “Roberto, você tem que ser um medico clinico, mas que sabe de laboratório” e sugeriu que eu fizesse estágio em um projeto com professores da Universidade de Harvard que tinha um projeto internacional aqui na UFBA. Assim , comecei minha carreira de cientista. Tive muita sorte! Ainda estudante, trabalhei com um prêmio Nobel de Medicina
Quando o senhor começa a pesquisar?
Um dos professores do laboratório da Harvard aqui na Bahia era o norte-americano Thomas Weller, prêmio Nobel de Medicina em 1954, pois descobriu o vírus da varicela e cultivou pela primeira vez vários vírus, entre eles Citomegalovírus, da Poliomielite. Ele veio para Bahia nos anos 70 para desenvolver um projeto grande para estudar a doença de Chagas e a leishmaniose aqui no Hospital das Clínicas. Fez um laboratório de pesquisas para desenvolver testes sorológicos, para entender a doença. Eu fui estagiar lá e Dr Thomas Weller me deu artigos sobre imunofluorescência, técnica ainda em desenvolvimento, para eu ler e apresentá-lo. Estudei os trabalhos e, decepcionado com a reação cruzada do teste com várias doenças, questionei a ele se aquele seria o teste mais apropriado para diagnóstico de leishmaniose e Chagas. Foi quando ele disse que ia me levar para Harvard. ‘Você fez uma boa pergunta e ciência é pergunta, é o que gera a pesquisa. Você tem vocação para ser cientista’, me disse. Eu tinha 21 anos.
Depois de formado, como foi sua passagem pela Universidade de Cornell, nos anos de 1980?
Eu fazia clínica e pesquisa na Universidade de Cornell, em Nova Iorque. Lá, virei professor assistente de Doenças Infecciosas, em 1984, levado pelo Professor Thomas Jones. Tinha descoberto o antígeno específico, rK39, com Steven Reed, que também era professor assistente da Cornell e morava aqui na Bahia, trabalhando na Fiocruz , Bahia. Foi uma época de produtividade intensa. Morava seis meses em Nova Iorque e seis meses no Brasil. Fiz o concurso para professor da UFBA em 1984 e passei como professor colaborador e segui a carreira de professor, me aposentando como Professor titular de Doenças infecciosas e Parasitárias em 2014. Era professor aqui e nos EUA. Peguei o começo da Aids lá nos anos 80. Aprendi muito.
Como foi esse momento?
A gente não sabia o que era o HIV positivo, só Aids. Não tinha remédio. Até que se descobriu uma medicação, o AZT. Mas o paciente morria em seis meses, um ano. Eu disse: ‘a gente precisa fazer o que fizemos com a leishmaniose’, e fui estudar a história natural da Aids. Em 1990, fiz um grande projeto com os americanos da Cornell para estudar a Aids no Brasil envolvendo vários pesquisadores. Participei do desenvolvimento de todas as drogas para tratamento da AIDS e HIV positivo. Publiquei muito, treinei muita gente. Eu era presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, depois, vice-presidente da Sociedade Internacional de Doenças Infecciosas, e vi que o tratamento não dava pra ser com vários medicamentos separados, mas com um comprido com vários medicamentos juntos. Assim, fizemos juntos, vários cientistas do mundo, o coquetel de tratamento da Aids. Acompanhamos até chegar ao coquetel ideal, um só comprimido. Lembro muito bem nos anos 1990: eram 16 comprimidos diariamente para combater o HIV. Ninguém conseguia tomar. Hoje, é um só. Agora temos medicações mais novas, mais eficientes, fornecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ninguém morre mais de Aids se tiver acesso ao tratamento. O HIV positivo tem tratamento.
Como foi o período em Harvard e na Universidade de San Diego, Califórnia?
Fui professor titular da Universidade de Harvard de 94 até 2000. Com o Dr Steven Reed, diretor científico do Infectious Disease Research Institute (IDRI), comecei a desenvolver antígenos para várias doenças infecciosas e tumorais. Foi com ele que descobri o rK39. Eu eliminei a reatividade cruzada (que me sugeriu, quando ainda estudante, Dr. Thomas Weller). Hoje, se uma pessoa tem sorologia positiva pra rK39, tá com calazar (leishmaniose Visceral). Em 2000, fui morar em San Diego, Califórnia, e chefiei o Departamento de Medicina Internacional da Universidade de San Diego, onde ainda sou professor visitante e também colaboro, através de pesquisas no Cimatec.
De que forma o senhor avalia o enfrentamento à Covid no Brasil e no mundo?
Já tinha estudado o coronavírus tipo 1, que deu a síndrome de pneumonia grave no Oriente Médio e acabou, porque quem pegava o vírus morria. Em seis meses, a doença acabou. Estive lá como consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Leishmaniose e vi essa a covid -1 lá. O tipo 2 (atual) evoluiu, circulou pelo mundo (são 120 mil voos por dia) e se espalhou rapidamente. Parou o mundo! Era necessário desenvolver estratégia terapêutica e vacina. Nunca se fez uma vacina tão rápido quanto agora. Levamos dois anos para desenvolver uma vacina e ser aplicada. Não sabemos como elas vão se comportar porque o vírus muda. Agora mesmo tem a cepa BQ1, variante da Ômicron, que não causa pneumonia grave em vacinados, mas causa uma gripe, embora intensa, em quem não vacinou. Os pacientes que estão internados aqui no Hospital Espanhol da Covid 19 são pessoas que não se vacinaram ou só tomaram uma dose da vacina.
“Um milhão de cientistas se dedicaram ao controle da covid. Nós levamos 20 anos para publicar 200 mil trabalhos sobre Aids e HIV; em dois anos, publicamos 270 mil trabalhos importantes sobre a covid”
O senhor teve Covid e não quis ir para o hospital. Por quê?
Eu estudei mais de cinco mil artigos relacionados à Covid. Me tornei especialista nisso. Nesses dois anos, tratei 18 mil pessoas. No mundo todo, os médicos erraram ao intubar os doentes desnecessariamente, porque não entendiam bem a diferença entre hipoxemia e insuficiência respiratória, que são duas coisas diferentes: nem todo doente com hipoxemia (baixo nível de oxigênio no sangue) está com insuficiência respiratória, mas todo doente com insuficiência respiratória tem hipoxemia. E os médicos não sabiam isso, no mundo inteiro. Aí, quando caía a saturação de oxigênio abaixo de 90, intubavam, e o doente morria de infecção secundária, bacteriana. Então, tiveram muitos problemas relacionados a isso. E aí eu resolvi não ir para o hospital, com medo de me intubarem. Eu tinha hipoxemia, mas não tinha insuficiência respiratória. Coloquei respirador, cânula de alto fluxo, que foi uma coisa nova, botei tudo dentro da minha casa e fui me tratando. Usei a máxima: “médico, cura-te a ti mesmo”. Eu disse: se eu tiver que morrer, morrerei nas minhas mãos e dos colegas Sérgio Jesler, Fabianna Bahia e Juliana Correia. Não sou contra a internação, muito pelo contrário internei muitas pessoas. Mas me senti mais seguro em minha casa. Minha mulher, que é cardiologista, também cuidava de mim. Disse se eu for levado à um hospital me leve para o Hospital Espanhol da covid -19, pois organizei o hospital com excelência de tratamento para o povo baiano. Eu seria incoerente em ir para outro hospital, pois se o hospital Espanhol não servisse para mim, não serviria para povo. O INTS, instituição que administra o Hospital Espanhol, me pediu excelência no cuidado ao paciente com Covid-19, não importasse o custo. Quando doente em 2020, sofri muito, e aí fui melhorando, melhorando… Não precisei internar, apesar de ter 75 % do meu pulmão tomado pela Covid-19. Quando comecei a melhorar, aproveitei pra escrever um livro.
O livro é sobre o quê?
O médico, o cientista e o paciente na covid 19, no caso eu. Sou médico, cientista – publiquei mais de 25 trabalhos sobre a Covid-19, no Cimatec – e fui paciente.
O senhor relata esses dias angustiantes como paciente?
Relato, sim, a sensação de morte. Eu aprendi que o pulmão é o órgão mais importante do corpo humano.
Mais do que o coração?
Muito mais. O coração, se bate pouco, incha o pé, você se acostuma. Tolera. Mas, sem o oxigênio você não consegue viver.
O senhor acha que muita gente morreu de Covid-19 porque não teve atendimento adequado?
Sim. Não teve atendimento adequado, intubou precocemente (se intuba em insuficiência respiratória, mas não em hipoxemia. Em hipoxemia se dá oxigênio). O pessoal aprendeu a trocar o pneu com o carro em movimento.
Qual a relação da covid com o cérebro?
O vírus vai em todos os locais. O vírus causa infecção neuronal, e causa o que o americano chama de ‘brain fog’, o nevoeiro cerebral. Você esquece das coisas depois da doença.
Mas o senhor não esqueceu de nada
Esqueci, sim de muita coisa. Melhorei porque eu tomo canabidiol, aí, minha memória voltou brilhantemente. Eu esquecia nomes dos remédios que eu passava todo dia para os pacientes, durante 40 anos. Encontrava um amigo meu e não lembrava o nome dele.
Queria que o senhor falasse sobre o canabidiol, porque existe muito preconceito ainda
O canabidiol é um remédio espetacular, usado em indivíduos com câncer, com doenças neurológicas, com Alzheimer. O mercado de canabidiol nos EUA vendeu, em 2022, 34 bilhões de dólares. Eu acho que o canabidiol é uma grande medicação, cuja tendência é vender em breve em farmácias, acho que não demora mais do que um ano. Canabidiol não é maconha. O povo ainda confunde muito, porque o canabidiol é extraído da Canabis sativa.
O senhor aceitaria entrar em alguma instância de governo?
Eu fiz um plano de governo – Mais Saúde 2023 -, até botei a Rosa dos Ventos pra ilustrar que nós podemos fazer mais inovação, mais saúde, implantar internet das coisas no governo. Eu estive com (o agora ex-governador) Rui (Costa) e entreguei pra ele. Já fui subsecretário de saúde do estado e analisei tudo que não funcionava e coloquei, até mesmo uma revisão dos contratos de administrativos de gestão da Sesab (Secretaria de Saúde da Bahia). Eu disse a Ruy, ao senador Jaques Wagner, ao próprio governador Jerônimo, que se eles quisessem fazer aquele plano, que eu aceitaria ser secretário de Saúde, desde que tivesse liberdade de implantá-lo. Poderíamos usar o Cimatec, a maior instituição de supercomputação do Brasil, para fazer um Prontuário Único Universal, para que todas as pessoas tenham um prontuário, como a carteira de identidade. Se você for pra UPA de Brotas, o médico faz seu prontuário e sua vida médica fica disponível no mundo inteiro. Essa é uma inovação pioneira no mundo todo. Com isso, se reduz o custo da saúde em pelo menos 50%. Não temos isso no Brasil ainda e em muitos lugares do mundo. Então, eu ofereci isso a Rui e a Jerônimo, mas eles não captaram, não entenderam. Meu nome foi ventilado pra ser secretário e tudo, mas, eles preferiram manter a Sesab do jeito que está.
Que avaliação o senhor faz do ex-secretário Fábio Villas-Boas, de quem o senhor era subsecretário?
Grande secretário, soube fazer as coisas. Teve aquele erro pessoal, que acabou interferindo na vida dele, mas foi um excelente secretário. Fui subsecretário dele, arrumei a casa para ele, depois saí e fui pro Cimatec, não saí porque fui posto pra fora. Saí com Ruy contrariado. Esse hospital (refiro-me ao Espanhol, de tratamento contra covid) eu sugeri a ele em março de 2020, para não faltar leitos para covid grave, tinha de ampliar os leitos hospitalares, e ele fez. Pegou o Hospital Espanhol fechado há seis anos e reabriu em tempo recorde. Salvou milhares de pessoas até os dias de hoje.
Como o senhor avalia os últimos anos da ciência?
Nunca vi tamanha evolução, em todo o mundo. Um milhão de cientistas se dedicaram ao controle da covid. Nós levamos 20 anos para publicar 200 mil trabalhos sobre Aids e HIV; em dois anos, nós publicamos 270 mil trabalhos importantes sobre a covid. Só eu publiquei 22. Botei o Cimatec todo para pesquisar a doença.
E a vacina baiana?
O amigo e cientista Steven Reed, através das pesquisas no Infectious Disease Research Institute (IDRI), desenvolveu, junto com outras companhias, uma vacina de terceira geração. Ele replicou o RNA mensageiro (mRNA) com as informações do vírus. É um tipo de RNA fake que ensina ao organismo a fazer a proteína do vírus e você desenvolve os anticorpos contra o vírus. Essa é uma vacina nova, de quarta geração, e será produzida no Brasil. Estamos estudando no Cimatec pra saber qual a melhor dose a ser aplicada. Estou terminando os estudos de fase 1 aqui na Bahia, no Cimatec. Então, nesse ano de 2023, deveremos ter uma vacina com uma plataforma diferente, de replicon mRNA. Sou o investigador principal e estou montando a vacina no Cimatec. A Bahia é parceira, junto com o Ministério da Ciência e Tecnologia (o nome da vacina é MCTI-Cimatec-HDT), que vai financiar o estudo de fase 2. Não é um estudo barato. Quem pagou o estudo da fase 1 foi o Cimatec. Agora, vamos começar a segunda fase dessa vacina com o apoio do Governo.
Podemos esperar por novas pandemias?
Ah, eu não tenho dúvidas! Já vivi as epidemias de HIV, dengue, zika, chikungunya, H1N1, cólera, febre hemorrágica e, agora, a pandemia da covid-19. Quanto mais destruímos a natureza, mais ela reage contra a espécie humana.
Quais as suas perspectivas para o SUS nos próximos anos?
O SUS tem jeito, mas precisa se modernizar.
E o Ministério da Saúde?
O Ministério da Saúde é amarrado, administra crises. Não é feito para fazer um programa de saúde, quando ele dá 30 centavos por habitante para cada estado. Na Bahia, temos 15 milhões de habitantes, vezes 30 centavos. Veja o quanto a gente recebe: são cinco milhões para investimento em saúde – fora os programas do SUS, o reembolso, tal. É insuficiente. Tem mil coisas para serem feitas com 30 centavos. Deveria ser ao menos 1 real (por pessoa). Esse dinheiro teria que ser investido em medicina preventiva. As demais despesas são obrigação do estado.
E a ciência na Bahia, como está?
A Bahia não é um estado ruim em ciência. Temos inúmeros cientistas renomados. Entre os 10 mil melhores cientistas do mundo, a Bahia tem, pelo menos, cinco. Fico entre eles. Eu sou o 119 do mundo inteiro. Então, temos boa ciência, mas pouco investimento. A Fapesb (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia) tem pouco recurso. Eles querem dar o dinheiro, mas não recebem do governo. A Fapesb tem um excelente gestor (Luiz Antônio Queiroz de Araújo), uma equipe muito boa. Só precisa de dinheiro para investir em pesquisa.
Toda a sua vida vai ser dedicada à ciência, à medicina?
Sim, só quero que me tirem das atividades que pratico diariamente, quando eu não tiver mais sendo útil. Continuo atendendo no meu consultório, e aqui (no Senai-Cimatec) e dirigindo o Hospital Espanhol da Covid-19, fazendo o melhor que posso para ajudar as pessoas. Sou um médico que estuda diariamente, faz pesquisa e, o mais importante, ouve os doentes, me entrego para resolver o problema do paciente. Basta falar com qualquer um deles. Não tenho modéstia em dizer que sou um bom médico, cientista competente e um bom professor.
Nilma Gonçalves/Correio