O Hospital Aristides Maltez, referência no tratamento oncológico no país, completa 70 anos nesta quarta-feira (02). Em sete décadas, a unidade fundada por um grupo de profissionais de saúde liderados pelo ginecologista e professor da Faculdade de Medicina da Bahia (atual Faculdade de Medicina da Ufba), Aristides Maltez, contabiliza quase 7 milhões de consultas e 280 mil cirurgias. Tudo gratuito.
Mas, a instituição, que tem muito o que comemorar pela força de sua história e pioneirismo, precisa de ajuda para manter as portas abertas. A pandemia, que afetou diversos setores da sociedade, deixou o HAM em situação delicada. Nos últimos anos, a instituição opera com déficit mensal de cerca de R$ 2 milhões e tem dificuldade em receber de seus devedores.
O atual presidente da LBCC, Aristides Maltez Filho, conta que tem feito ajustes para tentar equilibrar as despesas, mas que a falta de recursos tem levado a unidade a atrasar em até 30 dias o pagamento de fornecedores.
Gente de todo lugar
O vai e veem de pacientes e visitantes na porta da unidade é intenso e a cada minuto chegam ambulâncias trazendo pessoas de algum dos 417 municípios da Bahia ou de 17 estados da União que também enviam doentes em busca da expertise da equipe do HAM. A unidade é especialista em tratamento de diversos tipos de câncer, principalmente os tumores de mama e próstata.
Atualmente, a receita do hospital é composta 88% por repasses do Sistema Único de Saúde (SUS) e 12% de doações. A situação mais delicada é com a prefeitura de Salvador que, segundo a administração do HAM, tem uma dívida de R$ 85 milhões com o hospital, contraída, em parte, pela administração do ex-prefeito João Henrique Carneiro.
“Se o hospital parar será uma situação caótica, não apenas para Salvador, mas para toda a Bahia, porque é o único centro especializado em oncologia do estado, não existe outro. Nós orientamos na área de prevenção, incentivamos o ensino e a especialização, o diagnóstico, o tratamento, a cirurgia, a oncologia clínica e a radioterapia. O atendimento é gratuito para toda a população”, afirma Aristidez Maltez Filho.
O que diz a prefeitura
Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde de Salvador (SMS) afirma que reconhece a importância do Hospital Aristides Maltez, “instituição filantrópica referência para o tratamento dos pacientes oncológicos da Bahia”. Ainda segundo a nota, a pasta “nunca se furtou em manter o diálogo, no intuito de encontrar soluções conjuntas para melhor atender aos pacientes”.
A SMS afirma também que a LBCC possui três processos judiciais contra o Município e que um deles se refere à gestão anterior a 2012, “onde a entidade pleiteia valores que ultrapassaram o teto contratual firmado com a Prefeitura de Salvador, sem anuência prévia da SMS”, diz o texto. A SMS também acrescenta que a prefeitura aguarda decisão judicial sobre o valor devido para pagamento desse primeiro processo e do segundo.
“Já no terceiro processo, a Liga Bahiana pleiteou repasse integral dos recursos mesmo com a diminuição da produção hospitalar face à pandemia do covid-19. Tal medida foi adotada pelo Município que, mesmo com a produção de R$ 100 milhões realizada pelo hospital, efetuou repasse de R$ 122 milhões no exercício de 2020, devidamente amparado por lei. Ou seja, a média da produção ocorrida no ano de 2019 foi integralmente paga ao hospital, não havendo qualquer diminuição de valores mesmo como a sensível diminuição da procura pelos serviços na unidade”, complementa a nota da SMS.
A pasta reafirma ainda o compromisso do Município “em manter o diálogo com a LBCC para resolver o impasse judicial e auxiliar a instituição quanto aos eventuais problemas financeiros que esta respeitada instituição possa estar enfrentando”.
Efeito pandêmico
A pandemia agravou a situação do HAM. Na semana passada, alguns serviços tiveram de ser suspensos porque parte da equipe médica testou positivo para a covid-19. O diretor administrativo da unidade, Washington Couto, conta que na segunda-feira (24) eram 150 profissionais infectados. Quatro dias despois, o número era de 230 e, atualmente, a estimativa é de que 250 trabalhadores estão afastados.
“Na semana passada, suspendemos cirurgias eletivas, ambulatório e o recebimento de novas matrículas. Essa semana, vamos funcionar a triagem com apenas 1/3 da capacidade, ou seja, 25 pacientes. O ambulatório não vai atender pacientes fora de tratamento e a triagem da pediatria será suspensa porque muitas crianças estão testando positivo para covid. Depois de uma semana vamos reavaliar”, afirmou.
Nesta segunda (31), nove pacientes com covid aguardavam regulação no hospital. As visitas estão interrompidas e a vacinação é obrigatória para todos os profissionais. Já as cirurgias eletivas, que estavam suspensas na semana passada, foram retomadas. Segundo a administração, em média, cada paciente custa R$ 3.976,85 mensais ao hospital, por isso, as doações são importantes.
Em 1980, mergulhado em uma crise, a unidade conseguiu melhorar após uma iniciativa da cantora Maria Bethânia, que fez um show beneficente direcionando toda a renda para o hospital. Empresas de publicidade e propaganda também ajudaram nessa retomada. Em 1985, o então governador Antônio Carlos Magalhães incorporou um novo pavilhão, concluindo a planta original. Já Bell Marques e a primeira-dama do estado, Aline Peixoto, ajudaram na construção de uma nova ala, em 2019.
História pioneira
O ano era 1940. Enquanto metade do mundo enfrentava a II Guerra Mundial, o professor Aristides Maltez visitava uma antiga chácara no bairro de Brotas e colocava a pedra fundamental do que seria o futuro Instituto do Câncer da Bahia, nome pensado originalmente para o hospital. Tudo começou com uma situação que inquietava o médico: a quantidade de mulheres pobres com câncer que sofriam em praças e passeios públicos da cidade por falta de dinheiro para fazer um tratamento adequado.
Comovido, o professor Aristez e alguns colegas fundaram a Liga Bahiana Contra o Câncer (LBCC). A chácara foi comprada em 1939 e o médico suou a camisa para convencer o governo do então Estado Novo (ditadura que durou de 1937 a 1946 no Brasil) da necessidade de construir um hospital para cuidar dos pacientes pobres com câncer na Bahia.
Foram 12 anos até a unidade ficar pronta. Ainda no comecinho das obras, o professor Aristidez falou sobre o futuro, conforme registra o acervo histórico do hospital: “A semente do carvalho está lançada. A sua sombra não será, porém, mais para mim; servirá, sim, para dar abrigo aos cancerosos pobres da Bahia”, afirmou, na ocasião. Três anos depois desse discurso, o professor morreu e, em sua homenagem, os co-fundadores da LBCC resolveram trocar o nome da unidade de Instituto do Câncer da Bahia por Hospital Aristides Maltez, inaugurado nove anos depois do falecimento de seu idealizador.
O hospital começou a operar em 2 de fevereiro de 1952. De lá para cá, foram 542.139 pacientes matriculados, 343.207 internações e 205.433 tumores cancerosos tratados. Os números impressionam até mesmo quem está na unidade quase todos os dias, como a manicure Sueli Nascimento, 44 anos.
“Minha mãe teve câncer e foi tratada nesse hospital. Estava aqui quase todos os dias com ela. Agora, minha irmã está com câncer e estamos começando o tratamento. O hospital tem uma estrutura enorme, são muitos pacientes, mas não sabia que eles já tinham feito 7 milhões de consultas [6.861.438 em números precisos]”, admirou-se.
Veja como ajudar o HAM com doações:
Pix CNPJ: 15180961000100
Razão Social: Liga Bahiana Contra o Câncer
Cartão
É possível também fazer a doação através dos cartões de crédito e débito, através do endereço www.aristidesmaltez.org.br, no ícone ‘doações’.
Depósitos bancários
Banco do Brasil (AG: 3025-2/Conta Corrente: 9892-2);
Santander (AG: 3041/Conta Corrente: 13.000.557-9);
Bradesco (AG: 3679-1/Conta Corrente: 361-1);
Itaú (AG: 0226/Conta Corrente: 47817-0);
Caixa (AG: 1236/Operação: 003/Conta Corrente: 1477-0)
Gil Santos/Correio