Na década de 90, o maior comércio de drogas que se tinha conhecimento estava no Morro do Águia, sob o comando de Raimundo Alves, o “Ravengar”. Com a prisão dele nos anos 2000, houve a descentralizando da venda de entorpecentes, o que possibilitou o surgimento das primeiras “empresas” do ramo na Bahia: as facções Caveira e Comando da Paz. Apesar de hoje extintas, elas impulsionaram o surgimento de outras organizações criminosas, transformando o estado num cenário de guerra. Atualmente, pelo menos 20 delas atuam no território baiano.
“Essa pulverização do comércio, em que as organizações locais se rearranjam com organizações nacionais, tem sido um grande impulsionador nos conflitos na Bahia, bem como no Nordeste todo. O marco histórico recente foi o fim da paz estabelecida entre o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho) a nível nacional, impulsionou a retomada dos conflitos sangrentos nas cidades e o fortalecimento das milícias”, declara o cofundador e coordenador executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Dudu Ribeiro, integrante da rede de Observatórios de Segurança.
Com base nas ocorrências nas regiões, depoimentos de moradores e a gentes da força da segurança, o CORREIO mapeou a área de atuação de facções em alguns municípios. São 20 organizações criminosas espalhadas em 19 cidades. A maioria está em Salvador. São elas: Bonde do Maluco (BDM), Comando Vermelho (CV), Terceiro Comando Puro (TCP), Katiara, Ordem e Progresso (OP), A Tropa e o Bonde do Ajeita. Estas atuam no mercado varejista e, por isso, protagonizam os conflitos armados e têm ramificações em outras cidades, com exceção do Bonde do Ajeita, até então. Já o Primeiro Comando da Capital (PCC) atua restritamente nas unidades prisionais.
Criado em 2015, o BDM ainda é maioria: está presente em 13 cidades, três delas com aliança com a carioca TCP (Salvador, Santo Amaro da Purificação e Jacobina). A tropa e o PCC estão em cinco municípios. Já o arquirrival do BDM, o CV atua em quatro cidades, enquanto a OP e Katiara em três. Já o Primeiro Comando de Eunápolis (PCE) é maioria em dois municípios, assim como a Raio A e Raio B. As demais da lista são: Tropa do KLV, MK4, DMP, Mercado do Povo Atitude (MPA), Campinho (CP), Bonde do Neguinho (BDN), Bonde do SAJ, Honda e a Família do Norte.
O sociólogo Daniel Hirata, do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), concorda com Ribeiro. Ele pontua que a proliferação dessas organizações “não tem uma razão única”. “Isso pode acontecer porque não se conseguiu costurar alianças suficientes para uma unificação, isso pode ter haver com a dinâmica anterior, entre ‘os caveiras’ e o Comando da Paz e a forma como isso aconteceu, as disputas internas destes grupos, a chegada de grupos do Sudeste. Então, tem um conjunto de fatores que são muitos conjunturais que dependem muitos das relações pessoais entre as lideranças”, declara.
O aspecto social é lembrado pelo pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Crime e Sociedade (Lassos/ Ufba) e professor da Universidade Federal da Bahia, Luiz Cláudio Lourenço. Ele destaca a “vulnerabilidade econômica das periferias”. “Hoje temos cada vez mais jovens inseridos nesse mundo, devido a diminuição da disponibilidade de esporte, educação, emprego e renda. Isso faz o recrutamento da mão-de-obra para trabalhar para o tráfico. A gente vive essa situação há pelo menos 15 anos”, diz ele.