Quando não perfura os corpos, a violência urbana encontra outro meio de comprometer o destino de meninos e meninas da periferia de Salvador – é uma briga desleal: fuzis X sala de aula. E o resultado não poderia ser outro: 22 escolas municipais deixaram de funcionar neste ano por conta dos tiroteios na capital baiana. Ou seja, são mais de 7 mil alunos que ficaram um ou dois dias sem aula de fevereiro até o dia 29 de maio – já a escola de Vila Verde que está há mais de 15 dias fechada. O calendário letivo foi interrompido também por causa dos arrombamentos: foram seis no total. Já os colégios estaduais, ao menos dois deles também não abriram os portões por falta de segurança.
No total, são 22 escolas que deixaram de funcionar em algum momento de 2024 por causa das trocas de tiros, segundo a Secretaria Municipal de Educação (Smed) – a grande maioria dos casos está na região do Subúrbio e relacionada com a guerra entre as facções. Mas é no bairro de Vila Verde onde situação é mais crônica, até agora. Lá, desde que os confrontos se acirram entre o Bonde do Maluco (BDM) e o Comando Vermelho (CV), a Escola Municipal Laura Sales de Almeida não funcionou por dois dias em abril (11 e 26) e por 15 dias em maio (3, 7, 8, 14 a 17, 20 a 24, 27, 28 e 29). “As mães traziam os alunos, era por volta das 08h, quando os tiros começaram. Foram muitos. Um desespero total”, contou a mãe de um dos alunos, ao lembrar de um dos episódios próximos à escola.
Segundo os pais dos alunos, os profissionais, entre eles professores, não se sentem seguros para o retorno ao trabalho. E é fácil entender o porquê de tanto temor. A instituição fica no final da Rua Esperança de Vila Verde. É uma ladeira que termina numa reserva de Mata Atlântica, que separa a comunidade e o bairro de Mussurunga. É na vegetação que os confrontos acontecem. “Eles têm razão de também não quererem vir. Eu também não viria. Os tiros são de fuzil pra cima. Teve noites aqui de a gente não dormir, de eles subirem a ladeira xingando, atrás dos rivais”, relatou um morador.
O rastro da guerra entre o BDM e o CV está também nas marcas de tiros na fachada da escola e no fundo do mundo, onde há inúmeras pichações com as inscrições das duas facções, em alguns casos, uma sob a outra. “Tá um negócio sério, isso aqui. Durante o dia, é tranquilidade. Eles não fazem nada, por causa da polícia. Mas à noite, isso aqui fica cheio deles. Sobem e descem com exibindo as armas, mesmo com essa polícia toda aqui. É que a concentração das viaturas é toda lá em cima, na Rua Planalto Verde, a principal”, pontou o morador.
Por causa da sensação de insegurança, os ônibus deixararam de entrar no bairro e o comércio foi fechado. A situação só foi normalizada dias depois de Polícia Militar direcionou várias equipes para o local. Embora em alguns pontos seja é visível a presença de policiais, o medo ainda paira na Escola Municipal Laura Sales de Almeida.
A reportagem conversou com duas mulheres da região, uma delas uma dona de casa, que faz parte do grupo de conselhos de mães da escola, que possui cerca de 200 estudantes. Ela disse que entende o medo dos professores e funcionários, mas o seu desejo é a volta às aulas. “Nos primeiros dias a gente entende que era arriscado para todo mundo, mas agora, com a polícia no bairro, não vejo o porquê de continuar assim. E como fica a situação dos nossos filhos?”, questionou ela, que logo teve a posicionamento rebatido pela vizinha. “A gente precisa é de policiamento constante aqui, que tirem esses grupos daqui, porque sem aulas as crianças ficam prejudicas, mas pior será se uma delas foi baleada no caminho ou dentro da escola. A gente sabe que aí embaixo não está fácil”, argumentou.
Ela disse que, por causa da sensação de insegurança, alguns professores e alunos pediram para sair da escola, informação compartilhada com a integrante do conselho de mães da instituição. “Sim, dois deles (professores) falaram que não viriam mais, mas soube que já foram substituídos. E alguns estudantes de Mussurunga foram mandados para outras escolas por aqui por perto”, declarou a dona de casa.
Segundo a Smed ainda não há uma previsão para a normalidade. “Em razão do impacto da situação de violência, a gestão escolar, a Gerência Regional e a Smed estão organizando conjuntamente o retorno às aulas, com todos os cuidados direcionados ao acolhimento dos alunos, professores e funcionários”, disse a secretaria, que negou a informação sobre as transferências.
Valéria
A Escola Municipal Nossa Senhora de Aparecida, na Estrada de Nova Brasília de Valéria também consta na lista da SEC. Segundo a mãe de dois alunos, as aulas foram paralisadas três vezes neste ano por causa das trocas de tiro. “Quando acontece alguma coisa, a direção manda avisar e ninguém aparece. Os ônibus param também e os professores e funcionários que moram em outros bairros não têm como chegar”, contou ela, aos lados dos filhos de 6 e 10 anos, que estudam no 1º e 5º respectivamente.
Um funcionário da escola falou sobre o clima de medo quando ocorrem os tiroteios. “O medo dos pais é pela segurança dos filhos, de eles serem baleados na ia ou na volta, mas aqui dentro da instituição nunca teve nada”, assegurou.