O valor do contrato para a construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) que vai substituir os antigos trens do Subúrbio Ferroviário de Salvador foi reajustado pelo Governo do Estado. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur), o documento assinado com a concessionária para a implantação e operação da Fase 1 do sistema foi de R$ 2,8 bilhões, quase o dobro do que havia sido divulgado, mas foi necessário um novo reajuste porque a empresa vai operar também a Fase 2. A conta está em R$ 5,2 bilhões.
O contrato é uma Parceria Público-Privado (PPP). Vereadores e entidades de classe dizem que as informações não estão claras e acusam o governo de falta de transparência. Houve mudança também no modelo que será implantado, o veículo não será mais sobre trilhos, o prazo de concessão foi ampliado e não foi divulgado o cronograma de execução das obras. Especialistas e usuários criticaram as medidas.
Essa foi a segunda audiência pública realizada pelos vereadores de Salvador para discutir o assunto. A primeira aconteceu em fevereiro, mas o Governo do Estado não compareceu. Um ofício foi encaminhado para a Sedur solicitando esclarecimentos via Lei de Acesso à Informação e um novo encontro foi marcado para esta quarta-feira. Mais uma vez o governo não mandou representante, mas enviou uma resposta aos vereadores.
O documento assinado pelo secretário Eures Ribeiro afirma que o contrato foi celebrado com a Skyrail Bahia, vencedora da licitação, com valor de R$ 2,8 bilhões. O governo tinha divulgado na época da contratação, em 2019, que o montante seria de R$ 1,5 bilhão, e que a empresa ficaria responsável por operar 19 km do VLT, a chamada Fase 1 do sistema. Estava previsto aporte de R$ 100 milhões dos cofres públicos.
Em fevereiro de 2020, um aditivo foi assinado entre o estado e a empresa para que a concessionária operasse também a Fase 2 do sistema. Segundo o documento enviado para a audiência, a Fase 2 corresponde a realização de estudos para futura implantação do trecho de uma linha sobre trilhos de integração do VLT com a Linha 1 do Sistema Metroviário de Salvador e Lauro de Freitas (SMSL). A Skyrail ficou responsável, então, por implantar e operar mais esse trecho.
“Em razão das alterações procedidas por meio do referido termo aditivo, o prazo original do contrato foi acrescido em 15 anos e o valor do ajuste foi alterado para R$ 5.262.680.725,33 (R$ 5,2 bilhões), tendo ficado pactuado, ainda, o aporte de recursos no valor de R$ 290 milhões, a serem pagos segundo cronograma de eventos da Fase 2, em adição aos R$ 100 milhões previstos a título de aporte de recurso para a Fase 1 da redação original do contrato”, diz o documento.
De acordo com essas informações, a contribuição pública saltou de R$ 100 milhões para R$ 390 milhões na implantação do VLT, além de mais R$ 152 milhões previstos após o início da operação do sistema. Para o vereador Cláudio Tinoco (DEM), proponente da audiência, não está claro se a Skyrail vai arcar sozinha com os cerca de R$ 4,5 bilhões restantes ou se haverá outras contribuições públicas.
“Na primeira audiência, as informações que tínhamos era de que o valor desse contrato era de R$ 1,5 bilhão e a gente verifica nessa resposta que o contrato original trazia o valor de R$ 2,8 bilhões. Já houve um aditivo um ano antes do início das obras, ou seja, em fevereiro de 2020, com aumento de 83% no valor desse contrato e ampliando em 300% o valor da participação do Governo do Estado”, afirmou.
As obras do VLT foram iniciadas em fevereiro de 2021. A Sedur afirma na nota enviada aos vereadores que o prazo de conclusão é de 2 anos e três meses, mas admite na que a construção está atrasada. A nota cita quatro etapas, mas não apresenta os prazos. Os vereadores criticaram também o cálculo que está sendo usado para avaliar a capacidade do sistema, serão 600 pessoas por vagão, ou seja, seis passageiros por metro quadrado.
“Essa é a mesma média que fazemos no carnaval. A experiência dentro do vagão será a mesma de estar no circuito no momento em que o trio está passando, um aperto”, afirmou Tinoco, que foi secretário de Cultura e Turismo de Salvador.
Transparência
A Fase 1 do projeto vai ligar o bairro do Comércio e o Subúrbio Ferroviário à Ilha de São João, em Simões Filho. Serão 21 estações e 19,2 km de extensão. A Fase 2 terá mais cinco estações, 4,08 km e vai alcançar a estação de metrô do Acesso Norte. A capacidade será para 172 mil passageiros por dia. O vereador Orlando Palhinha (DEM), que também comanda a audiência, disse que o principal problema é a falta de transparência.
“Os trens foram desativados há mais de um ano, um transporte alternativo não foi colocado para marisqueiras, pescadores e ambulantes que usavam o trem a R$ 0,50. Eles [governo] fizeram mudanças no contrato com dinheiro público e queremos que expliquem porque uma obra de R$ 1,5 bilhão foi para R$ 5,2 bilhões. Onde está a clareza? O governo tem que vir para o debate”, afirmou.
Palhinha contou que vai acionar o Ministério Público e pedir que o órgão faça a intermediação de uma audiência entre os representantes da Câmara e do estado. Os vereadores disseram que a nota enviada pela Sedur esclareceu alguns pontos, mas provocou outras dúvidas.
Enquanto as autoridades travam essa queda de braço e as obras se arrastam, a marisqueira Eliana Nascimento, 48 anos, observa o tempo passar da janela onde mora. “Antes, a gente catava o marisco e com R$ 1 conseguia levar na feira para vender e voltar para casa. A passagem era R$ 0,50. Agora, é quase R$ 10 para ir e voltar de ônibus. Não é justo”, disse. O VLT está previsto para custar R$ 2,20.
Mudança
O auditório do Centro Cultura da Câmara Municipal de Salvador, onde a audiência pública foi realizada, ficou movimentado com a presença de diversas lideranças. Elas se alternaram na tribuna e listaram o abandono das máquinas, o avanço do mato e da ferrugem, e as dificuldades da população que foi obrigada a trocar o trem pela passagem de ônibus. Um dos pontos levantados é que o VLT que está sendo construído é um monotrilho, ou seja, vai transitar por uma estrutura elevada por vigas de concreto ou aço, e usando pneus.
Para os especialistas, além de descaracterizar o Subúrbio, essa alteração terá reflexos na economia e no trânsito. Uma das observações é que a vida útil é menor que a dos veículos que trafegam sobre trilhos. O arquiteto e urbanista apoiador técnico do Movimento Trem de Ferro/Ver de Trem, Carl Hauenschild, foi um dos convidados da audiência e disse que era preciso avaliar melhor as consequências.
“Essa mudança de trilho para elevados, pensando no transporte coletivo, vai interferir na capacidade de desenvolvimento econômico da cidade. O transporte sobre trilhos é fundamental para a economia e para o turismo, e esse modelo proposto impossibilita a criação de um trem regional para a Bahia, além de gerar congestionamentos nas regiões das estações no horário de rush”, disse.
Os problemas apontados na audiência pública não são novidades. Segundo o representante do Tribunal de Contas do Estado (TCE), o servidor Heinz Ulrich Ruther, a maioria das questões levantadas foram apontadas em uma auditoria feita pelo órgão.
“Trabalhamos com uma equipe multidisciplinar formada por economistas, engenheiros e advogados e analisamos o projeto. Por conta do regimento, não posso comentar os detalhes, mas posso dizer que 90% dos problemas apontados aqui foram colocados no relatório”, disse.
Procuradas, a Sedur e a Skyrail ainda não se manifestaram.
Por Gil Santos