Depois de uma campanha extraordinariamente acirrada, uma vitória por margem estreita. É assim que a mineira Dilma Vana Rousseff, de 66 anos, chega a seu segundo mandato como presidente da República. A reeleição foi constatada às 20h31, quando, com mais de 98% das urnas apuradas, a petista alcançou 51,45% dos votos, não podendo mais ser superada por Aécio Neves (PSDB), que marcava 48,55%. A diferença de apenas três pontos porcentuais é a menor desde que o PT chegou ao poder, em 2002. Em 2010, a própria Dilma obteve 56% dos votos válidos, contra 44% do tucano José Serra.
A vitória apertada prenuncia um segundo mandato muito mais difícil para a petista. Na última semana da corrida eleitoral, o escândalo do petrolão atingiu em cheio a presidente e seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. Conforme VEJA revelou, o doleiro Alberto Youssef, por um acordo de delação premiada, afirmou à Polícia Federal que tanto ela como Lula sabiam dos esquema de desvios na Petrobras, investigados no âmbito da Operação Lava Jato. A corrida eleitoral acabou, e Dilma tem agora de lidar com os desdobramentos do caso. Ao mesmo tempo, terá de enfrentar uma oposição revigorada e o cenário desolador de baixo crescimento econômico com inflação em alta. A combinação de um escândalo de proporções inéditas, cujos ingredientes vêm todos de investigações oficiais, adversários fortalecidos e economia em crise pode envolver Dilma numa tempestade perfeita.
Mas, antes mesmo de estrear o novo mandato, a presidente tem de decidir se vai ignorar o ponto de vista de quase metade do eleitorado ou adequar suas políticas para levá-lo em conta. A estreita diferença entre os candidatos é reflexo de uma corrida eleitoral cercada de reviravoltas, pontuada por uma tragédia e que entrará para a história pela agressividade de que o partido da presidente fez uso para não deixar o poder. Como prenunciou Dilma em março de 2013, o PT “fez o diabo” nesta campanha. No primeiro turno, a máquina de propaganda petista voltou sua artilharia contra Marina Silva, que se tornou cabeça de chapa do PSB após a morte de Eduardo Campos e em pouco tempo ascendeu nas pesquisas. Desidratada, Marina não chegou ao segundo turno. Foi, então, a vez de Aécio Neves tornar-se alvo do PT. Com eficiência incomparável, a máquina petista construiu a narrativa segundo a qual o tucano desrespeita as mulheres e foi agressivo com a chefe da nação. A partir dali, o PT aumentou a quantidade de golpes abaixo da linha da cintura. Eleita, Dilma leva a sigla a um marco histórico: o Partido dos Trabalhadores se torna a única sigla a vencer quatro eleições diretas seguidas para o Palácio do Planalto.
Duas agendas – Quando da primeira eleição de Dilma, uma reportagem do site de VEJA apontava: “Quem marcou o número 13 na eleição de hoje para presidente da República votou numa caixa preta”. A presidente recém-eleita era uma incógnita. Questionava-se se o “poste de Lula” sairia da sombra de seu mentor. Agora já se sabe que ela tinha ideias próprias a implementar. Dilma deixou sua marca criando a chamada ‘Nova Matriz Econômica’, um conjunto mal-ajambrado de práticas intervencionistas adotado em substituição às políticas de estabilidade implementadas no Plano Real e das quais nem mesmo Lula se distanciou. Como resultado, ela colheu inflação acima da meta e estagnação econômica. Isso lhe custou a aprovação da classe média — inclusive da chamada “nova classe média”, que começou sua ascensão nos últimos doze anos. É preciso esperar o término da apuração, mas no primeiro turno a petista saiu vitoriosa em apenas um dos vinte municípios de maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país: Santo André, no ABC paulista, um cinturão do PT no Estado de São Paulo. Aécio Neves venceu nos outros dezenove.
Há um caminho para que Dilma Rousseff faça um segundo mandato à altura do Brasil. Para isso, ela deve interpretar o resultado da eleição não como uma senha para que radicalize suas escolhas, mas como prova de que duas agendas precisam ser tocadas em paralelo no Brasil de hoje: a das políticas de assistência social e a da modernização da economia. A primeira é a agenda clássica do petismo, aquela que lhe garante o núcleo duro de seu eleitorado – e que apesar de eventuais distorções, tem ajudado de fato a parcela mais pobre da população brasileira. Implementar a segunda agenda vai requerer da presidente uma dose considerável de humildade. Ela terá de reconhecer que, ao lado das denúncias de corrupção que assolam o seu partido, as travas que ela impôs ao desenvolvimento foram um fator crucial de rejeição a sua candidatura. E, em seguida, empreender uma guinada radical – ou seja, um retorno à racionalidade econômica que abandonou em seus primeiros quatro anos de governo.
Atoleiro econômico – As sinalizações dadas durante a campanha não foram auspiciosas. Na TV, a presidente não hesitou em atribuir todos os seus fracassos na economia à crise internacional (argumento recentemente desconstruído por um grupo de mais de 200 economistas que se reuniram para explicar que o mundo está em recuperação — ainda que lenta — e que as razões da estagnação no Brasil são essencialmente domésticas) e em recorrer a ideias canhestras como a de que quem discorda do PT quer “entregar o país a banqueiros”. Ponha-se esse tipo de tolice na conta do marketing eleitoral. Ainda assim, é possível colher outros sinais ruins. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, de saída da pasta, afirma à exaustão que não houve erro na condução macroeconômica e que o mesmo caminho será mantido nos próximos quatro anos. O mais cotado para sucedê-lo é Aloizio Mercadante, atual ministro da Casa Civil e colega de Dilma de seus tempos de Unicamp. Mercadante não mostra constrangimento ao afirmar que dobrará a aposta no modelo vigente. Disse em entrevista recente ao jornal Valor Econômico que o próximo governo “não fará uma política ortodoxa”. Seguindo a mesma cartilha de sua chefe, o ministro reafirma que a inflação não está alta, as contas públicas estão sob controle e os juros são os menores da história. “Não há a menor expectativa de que Dilma mude a política econômica. O que se espera é que o governo deixe de colocar em prática medidas pontuais que travaram o mercado. Mas o caminho econômico é o que já se viu. Não deve haver novidades”, afirma o ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral.
Caso se aferre de fato a essas ideias, Dilma pode confirmar a tradição segundo a qual os segundos mandatos são sempre mais árduos que os primeiros. A conjuntura não lhe traz facilidades. É notório que ela terá de lidar como problemas como a inevitável alta das tarifas de energia e do preço da gasolina, represadas pelo governo. A inflação dos preços controlados vai voltar com força em 2015 e deve superar a alta dos preços livres, o que não ocorria desde 2009.
Oposição revigorada – Aos percalços da economia vão se somar dificuldades no Congresso. Embora os partidos que apoiam formalmente sua reeleição componham a maioria das duas Casas – 296 deputados e 53 senadores —, a oposição renasce fortalecida: um PSDB revitalizado somará forças com um PSB ressurgido das cinzas de Eduardo Campos, que terá sete cadeiras no Senado e 34 na Câmara. A principal trincheira da oposição será o Senado, onde o governo não terá ascendência sobre um terço da Casa e as bancadas de oposição terão a presença de nomes de peso, como os ex-governadores tucanos José Serra (SP), Antonio Anastasia (MG) e Tasso Jereissati (CE), o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) e o próprio adversário de Dilma na reta final da eleição, Aécio Neves (PSDB). Na Câmara, PT e PMDB continuam com as maiores bancadas, mas encolheram em relação à eleição de 2010. Uma novidade saída das urnas foi a pulverização de deputados eleitos por siglas que formarão um “centrão” – como PSD, Pros, PR, PTB, PSC, por exemplo –, que podem votar conforme os interesses do Palácio do Planalto, mas cujo alinhamento não é automático e deverá passar pela barganha de cargos na máquina. Outra constatação: nas duas Casas, o governo Dilma se tornará ainda mais dependente do PMDB, que terá, por exemplo, dezoito senadores, e manterá a presidência tanto do Senado quanto da Câmara. Neste último caso, a provável vitória do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para comandar a Casa deverá ser outra dor de cabeça para Dilma: no primeiro mandato, ele foi um dos articuladores das rebeliões na base governista. Cunha deve substituir outro deputado descontente com o PT, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que atribui ao apoio de Lula a subida nas pesquisas de seu adversário na disputa pelo governo do Rio Grande do Norte, Robinson Faria, do PSD.
Dilma Rousseff triunfou nas urnas, com aval de 53 milhões de brasileiros. É do interesse de todos que seu novo governo, em vez de soçobrar numa crise institucional e insuflar a divisão entre “ricos e pobres”, faça o país avançar. Espera-se que ela saiba — e possa — exercer um segundo mandato à altura do Brasil.
Fonte: Veja.
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