Na noite do domingo, dia 15 de março, sob o impacto dos milhões que foram às ruas protestar contra o governo e o PT, coube ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, aparecer na TV, em rede nacional, para dizer que o governo iria se mexer. Sem novidade a anunciar, Cardozo reavivou uma promessa recorrente desde as manifestações de junho de 2013. Afirmou que o governo apresentaria “um conjunto de medidas de combate à corrupção e à impunidade”. Enquanto o ministro falava, panelas se chocavam vigorosamente nas janelas país afora. Apenas 11 horas depois da falação, via-se no Rio de Janeiro outro tipo de ação governamental, mais de acordo com o que o país espera.
A Polícia Federal batia à porta de Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras. Apadrinhado pelo PT, mais precisamente pelo ex-ministro José Dirceu, Duque foi titular de uma das diretorias mais abastadas da estatal entre 2003 e 2012 – a área de Serviços, responsável por obras como a da Refinaria Abreu e Lima. Seu ex-colega na estatal, o agora delator Paulo Roberto Costa, disse em depoimento que a diretoria de Duque repassava ao PT, em propina, de 2% a 3% dos contratos que a turma dele assinava. Duque sempre negou envolvimento nos desvios. Mas o Principado de Mônaco o desmentiu. Informou às autoridades brasileiras que havia bloqueado R$ 70 milhões do ex-diretor em contas de empresas de fachada. Duque foi preso às 6 horas da manhã da segunda-feira. Para constrangimento do ministro da Justiça, uma das primeiras imagens da ressaca das manifestações anti-PT era a de um ex-diretor da Petrobras, intimamente ligado ao partido, sendo preso.
No episódio, não há coincidência nem azar. As investigações da Lava Jato convergem inexoravelmente ao PT, conforme mais investigados confessam, mais extratos bancários chegam de paraísos fiscais e mais apreensões de documentos são feitas. Seguindo o caminho do dinheiro, os investigadores acabam seguindo a cadeia de comando do PT, além de PP e PMDB. Como o esquema no PP já foi esquadrinhado, restam o PT e o PMDB. As provas mais recentes e robustas, que resultaram em ações como a prisão de Duque, um personagem capital no petrolão, detalham a operação do partido de Dilma e Lula no esquema. Faltam poucas peças nesse quebra-cabeça; já se divisa claramente a imagem da operação petista no esquema.
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Os procuradores e delegados trabalham com duas frentes principais de apuração sobre a corrupção na Petrobras. Uma delas, bastante avançada, é o mapeamento de desvios na Diretoria de Abastecimento, de Costa. Indicado pelo PP, Costa tornou-se delator e expôs minúcias do esquema. Revelou que a principal fatia do PT na estatal estava na Diretoria de Serviços, de Duque. Esta passou a ser a segunda linha central de apuração. Uma delação premiada de Duque pode ser capital para a investigação – e fatal para o partido.
Duque, contudo, é apenas o intermediário escolhido para garantir que tudo em sua diretoria seguisse o roteiro consagrado da corrupção. Assegurava os contratos bilionários às empreiteiras, de modo que os donos delas lucrassem e os políticos recebessem sua parte. Enquanto tungavam a Petrobras, todos enriqueciam juntos: Duque, funcionários da estatal, empresários, intermediários, partidos e políticos. É o círculo do fisiologismo, sustentado pelos governos petistas de Lula e Dilma.
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As provas já obtidas – e são muitas – confluem abundantemente para João Vaccari Neto, ainda tesoureiro do PT, denunciado na semana passada pelo Ministério Público por lavagem de dinheiro e corrupção. Vaccari começou a despontar como homem-chave do PT no esquema em outubro do ano passado, quando Costa disse à Justiça que “dentro do PT (o contato) do diretor de Serviços era com o tesoureiro do PT, senhor João Vaccari. A ligação era diretamente com ele”. O doleiro Alberto Youssef disse a mesma coisa em sua delação premiada.
A semana passada foi especialmente esclarecedora sobre as operações do PT no petrolão. Surgiram novas evidências da atuação do PT e de Vaccari na Petrobras. Em setembro, Costa já havia dito que o doleiro Alberto Youssef pedira que R$ 2 milhões da cota de propinas do PP fossem destinados à campanha de Dilma Rousseff. Segundo ele, o pedido partiu do ex-ministro Antonio Palocci. Pedro Barusco, subordinado de Duque na Diretoria de Serviços, também já havia dito em depoimento à Justiça – e repetido há duas semanas na CPI da Petrobras na Câmara – que Vaccari arrecadou até US$ 200 milhões em propinas. Na segunda-feira da semana passada, a denúncia contra o tesoureiro trouxe trechos de um depoimento de Eduardo Leite, vice-presidente da Camargo Corrêa, que também faz delação premiada.
Leite deu detalhes sobre como mascarou R$ 10 milhões de propina em forma de doação eleitoral para o PT a pedido de Vaccari. A conversa, diz Leite, aconteceu em 2010, no Café Journal, em São Paulo. “Vaccari disse que tinha conhecimento por meio da área de Serviços da Petrobras que a Camargo estava atrasada com os seus compromissos, isto é, pagamento de vantagem indevida frente a contrato da construtora. Vaccari questionou o depoente se não haveria interesse em liquidar esses pagamentos mediante doações eleitorais oficiais”, diz um trecho do depoimento.
Os investigadores já têm provas suficientes de que Vaccari e o PT, num ardil malandro, embora brilhante, subverteram o caixa oficial de campanha. Para se precaver e evitar atos amadores como os cometidos no mensalão, isolaram, sempre que possível, o dinheiro sujo do partido. Para receber a propina, exigiam que as empresas e os intermediários se encarregassem de lavar o dinheiro da corrupção. Os pagamentos ao caixa oficial do PT eram a etapa final do processo de lavagem de dinheiro. Tornava-se aparentemente limpo quando entrava nas contas do partido. Cabia a Vaccari as tratativas para converter as propinas em doações oficiais para o PT.
A artimanha ficou mais explícita com um depoimento de Costa que veio à tona na terça-feira. “Há pouco saiu na imprensa, várias vezes, que o dono da UTC fez uma doação oficial de não sei quantos milhões para o PT. Nenhuma empresa vai doar 2 milhões, 3, 4, 5 milhões porque gosta do fulano de tal”, disse o delator. “Todas as doações, sejam oficiais ou não oficiais, não são doações. São empréstimos. A empresa está emprestando e depois vai cobrar”, disse Costa. Ele confirma algo que o cidadão comum intui facilmente, mas que os legisladores parecem não querer enxergar. “É tudo balela”, disse Costa aos procuradores.
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A ilusão de empreiteiras abastecendo campanhas com doações legais e de um tesoureiro limpinho que apenas arrecada tais doações se esvanece. A conclusão do MPF, na denúncia oferecida contra Vaccari, demonstra esse desmanche. “Não há qualquer dúvida de que João Vaccari tinha plena ciência, na qualidade de tesoureiro e representante do Partido dos Trabalhadores, do esquema ilícito e, portanto, da origem espúria dos valores”, afirmam os procuradores. O advogado do tesoureiro, Luiz Flávio D’Urso, apresenta outra versão da história. “Ele (Vaccari) não recebeu ou solicitou qualquer contribuição de origem ilícita destinada ao PT, pois as doações solicitadas pelo senhor Vaccari foram realizadas por meio de depósitos bancários, com toda a transparência e com a devida prestação de contas às autoridades competentes”, afirma a defesa. O PT e Vaccari insistem em desqualificar as delações e na ideia de que doação, se declarada, é limpa.
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Completando o triunvirato da encrenca do PT com a Lava Jato está José Dirceu, ex-ministro de Lula condenado pelo mensalão. O empreiteiro Gerson Almada, da Engevix, preso desde 14 de novembro, foi à Justiça Federal na semana passada para colaborar com as investigações. “A gente entrava numa rodovia chamada Petrobras, que tinha os pedágios. Você está trafegando, você teria de estar pagando pedágio”, disse Gerson Almada em depoimento na última terça-feira. À medida que explica a analogia, Almada sorri, não se sabe se por embaraço ou despeito. O executivo disse que a propina sobre os contratos com a Diretoria de Serviços variava entre 0,5% e 1% e que esses repasses eram feitos a Milton Pascowitch, dono da empresa Jamp, apontado como um dos operadores do PT na estatal. Almada relatou ainda que Pascowitch também reportava demandas do PT. “Como ele (Pascowitch) tinha um relacionamento com o PT e na Diretoria de Serviços, também ele trazia pedidos não vinculados a obras, mas vinculados a doações para o partido nas épocas das eleições ou em dificuldades de caixa do partido. Então, nós fizemos, teve um ano em que eu doei que não era um ano eleitoral, foram feitas duas doações para o PT”, disse o empreiteiro. O juiz Sergio Moro pergunta: “No âmbito do partido, o senhor ajustava essas doações com alguém?”. Almada diz que sim. Perguntado com quem, completa: “João Vaccari”.
E onde entra José Dirceu? Entra com sua JD Consultoria. A Justiça do Paraná quebrou o sigilo da empresa de consultoria do ex-ministro e encontrou R$ 29,3 milhões em contratos com dezenas de empresas, entre 2006 e 2013. Algo como R$ 300 mil por mês. Mais de R$ 7 milhões vieram de empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato. E, especificamente, R$ 1,49 milhão da Jamp, de Milton Pascowitch. José Dirceu afirma que os contratos de consultoria foram firmados para prospectar negócios no exterior. Ele diz que os valores pagos pela Jamp foram referentes a serviços contratados pela Engevix para viabilizar negócios em Cuba e no Peru. Em seu depoimento, Almada disse que a Engevix não pagou propina a Dirceu e citou os negócios no exterior.
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Esse ciclo da investigação vai conectando, um ponto de cada vez, João Vaccari Neto, José Dirceu, Renato Duque, a Petrobras e o PT. Vai-se provando a tese da Procuradoria-Geral da República de que os partidos políticos que tomaram conta da estatal, notadamente PMDB, PP e PT, usaram o caixa um das legendas para receber dinheiro sujo de óleo. E que os gritos da semana passada pelas ruas do Brasil miram num alvo certo: a corrupção.
Fonte: Epoca.
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