Na manhã deste domingo (30/04), o poeta, comentarista político e jornalista brasileiro Adrilles Jorge publicou um texto de opinião para a Revista Oeste intitulado “A esquerda brasileira quer o direito exclusivo de mentir em nome da verdade”. No texto, o jornalista detalha o que acha sobre o Projeto de Lei das fake news, sugerindo que essa seria a legitimação da criminalização da opinião no Brasil e o impacto que ela teria, caso aprovada, na censura da direita conservadora. Veja o texto na íntegra a seguir:
O projeto de lei (PL) das fake news é a legitimação da criminalização da opinião no Brasil. Se sua opinião não se encaixa na visão de mundo do poder vigente, sua opinião torna-se uma mentira lesiva à democracia, ao Estado, ao poder, à própria civilização. E o poder hoje concentra-se no discurso da esquerda — não só brasileira, mas mundial. Se você é contra o aborto e o enxerga como assassinato de crianças no ventre da mãe, teu discurso é de ódio, ainda que o assassino de fetos não seja você.
Se você, como Chico Buarque, acusa Bolsonaro de fascismo, nenhum juiz o condenará por fake news, mesmo que alguém argumente que o ex-presidente só falou em liberdade para além do Estado em todos os níveis. Se você, como Lula , diz que 1600 pessoas foram presas em nome da democracia, contra o golpe, nenhuma sentença lhe cairá sobre a cabeça, ainda que reste comprovado que a maior parte destes presos sequer estava presente nas invasões.
Se você, como Lula, quer enfiar a culpa das invasões em Bolsonaro ou no fascismo imaginário de Chico Buarque, nenhuma multa ou prisão ou censura para você, ainda que centenas de imagens revelem militares governistas orientando alguns invasores mascarados, ainda que reste comprovado que o ministro da Justiça recebeu inúmeros avisos das invasões e nada fez para que provavelmente o governo pudesse, como Lula agora, perseguir toda a oposição e toda a direita brasileira, enfiando-lhe a pecha de golpista e fascista.
Se você for um juiz, diante de todo este conjunto probatório de manipulação da verdade, quer mandar as evidências para as cucuias e, ainda assim manter presos inocentes, suspender mandato de governador, censurar redes sociais, desmonetizar, suspender conta bancária de jornalista e deputado, prender e manter preso em regime de tortura ex-ministro sem evidência de crime, manter solto general de Lula, com evidência de crime, fazer tudo, coincidentemente em consonância com o discurso francamente mentiroso do próprio presidente, todos que o verão como juiz injusto e carrasco terão medo de lhe dizerem que você é um juiz carrasco, porque você é a e encarnação do poder da mentira livre que pode massacrar e punir todo aquele que contestar tua mentirosa verdade única e incontestável. Com adendo: a grande mídia irá aplaudir e endossar tuas mentiras como salvaguarda da liberdade responsável da democracia em nome da tua verdade única.
Convenhamos: com um império autocrata, ditatorial assim, construído de mentiras incontestáveis de um lado e verdades sufocadas do outro, o famigerado PL das Fake News, ou melhor dizendo, o Projeto da Censura, nada mais é que um detalhe, a pá de cal no enterro da possibilidade de investigação da verdade no Brasil. A realidade já é uma farsa construída pelo império de uma opinião única permitida pelo Judiciário, encampada pela ação do Executivo e a quase omissão do Legislativo. A internet, particularmente as redes sociais, era o último refúgio do homem comum onde conseguia falar por si mesmo, sem ser filtrado e deturpado por grandes empresas de comunicação ou por políticos e juízes que costumavam falar pelo povo sem procuração ou mesmo sem voto.
A opinião livre do povo mudou a geopolítica mundial e brasileira, cutucou o sistema de forças do sistema e o sistema reagiu: arrancou o povo, a representação do povo do poder e jogou um condenado por corrupção de volta ao poder, pela manipulação da verdade e pela supressão da possibilidade da investigação possível da verdade, pelo massacre da opinião. Se você dizia, por exemplo, em alguma rede social, que as eleições de 2022 cheiravam a manipulação ou parcialidade da Justiça Eleitoral , o que fedeu mais foi teu caráter virtual censurado, esmagado ou preso pelo “Ministério da Verdade Suprema do Judiciário”. Tudo virou atentado contra a verdade oficial do Judiciário, que se apresentava como o legítimo representante do estado democrático de direito, como se a democracia não tivesse justamente como pilares básicos a desconfiança e a crítica a autoridades.
Agora, aparentemente cansado de ser o fiador de sua própria verdade única, o Judiciário quer empurrar ao Legislativo a função de legislar em nome da censura oficial. Aprovado o projeto, as próprias redes sociais terão a função de remover conteúdos e pessoas de sua praça, caso atentem contra a verdade oficial do governo e do Judiciário. O mais curioso é que a maioria destas redes já fazia sutilmente este trabalho. Perfis de direita eram sistematicamente censurados, tinham conteúdos removidos, tinham alcance limitados, por simples ideologia de seus diretores ou dos censores imbuídos do ofício de limitar ou mesmo cortar pela raiz toda opinião inconveniente ao discurso progressista oficial.
A guerra cultural é assimétrica: o discurso progressista pega mais porque é mais palatável, mais assimilável. É muito mais fácil culpar a todos e o mundo como opressores pelo seu fracasso pessoal que se responsabilizar você mesmo pela tua vida, como predica um princípio liberal conservador. Ah, não creia apenas em intenções ideológicas para censura, claro. O discurso progressista que pega fácil é usado à larga medida para manutenção hipócrita de poder de políticos, influenciadores, jornalistas, juízes e poderosos de todo o tipo; o discurso progressista é usado para a manutenção do poder de uma elite que lança mão deste discurso fácil para manter o povo calado e guiado pelas luzes do poder desta mesma elite, assim como foram guiados os manifestantes do 8 de janeiro pelo chefe do GSI de Lula.
Lula, por sua vez, foi elucidativo em sua mentira permitida e enaltecida pelo poder do establishment, que o blinda: ele disse que “nós” prendemos quase duas mil pessoas, entre elas uma maioria de inocentes. Estava se referindo justamente aos “nós” de uma elite dirigente que reúne Judiciário, mídia, Legislativo, toda uma elite que quer impor uma verdade goela abaixo de um povo que um dia resolveu ter voz própria.
O tal projeto de lei de fake news é uma excrescência de cima a baixo. Se há algum projeto que deveria ser feito seria um avesso ao Projeto da Censura: o projeto de criminalização de toda tentativa de censura às redes ou pelas redes. O governo Bolsonaro tentou. Só seria passível de remoção postagens que fizessem apologia explícita a crimes reais como pedofilia, drogas, estupro, tortura etc . Mas, no Brasil, uma opinião é hoje mais criminosa que a do próprio tráfico de drogas. Um traficante, um estuprador e um sequestrador têm mais garantias de liberdade e de um legítimo processo legal que o de alguém que ousa criticar o processo eleitoral ou o ministro Alexandre de Moraes, por exemplo. Talvez algum dia, quando esboçarmos algum arremedo de democracia no Brasil, se alguma rede ou juiz removesse tua opinião, o criminoso seria o juiz ou a rede. Isso sim seria a Justiça real. Quem atenta contra liberdade é criminoso. O Brasil está cheio de criminosos neste sentido. Todos em nome e defesa da democracia, claro.