Familiares e amigos se despediram, na tarde dessa segunda-feira (3), da técnica de enfermagem Silvana Conceição de Jesus, de 36 anos, morta em uma tentativa de assalto no Cabula VI, no domingo (2). Um homem de 21 anos confessou o crime e foi detido. Silvana era conhecida no bairro por resgatar animais de rua e tinha uma boa relação com a vizinhança. Após o enterro no Cemitério Bosque da Paz, moradores se reuniram para protestar contra a insegurança do bairro e homenageá-la.
Quando Silvana convidou a melhor amiga de infância para tomar um açaí no final de tarde a poucos metros de casa, não sabia a tragédia que estava prestes a enfrentar. A técnica de enfermagem queria contar para a amiga Samara Bandeira, 37, as novidades sobre um novo relacionamento que se iniciava.
Foi Samara que percebeu a movimentação suspeita de dois homens em uma moto e pediu para que a amiga guardasse o celular. Não adiantou. A gravação da câmera de segurança mostra o momento em que um homem desce da moto e aborda as mulheres, que estavam numa mesa na calçada. Enquanto o criminoso ainda estava bem perto da vítima, o dono do estabelecimento iniciou a troca de tiros. Em meio ao fogo cruzado, Silvana foi baleada na região do umbigo.
“Ela pediu para o homem ficar calmo e, assim que a gente ia entregar o celular, ouvimos os tiros partindo do lado de dentro do estabelecimento. O dono reagiu, e o homem, que estava com a arma engatilhada próximo à gente, também atirou”, relatou a amiga.
Assim que se deu conta de que a amiga havia sido baleada, Samara gritou por socorro e foi atendida por um amigo, que levou as duas para receberem atendimento no Hospital Roberto Santos. “Eu falava para ela: ‘Você está nervosa, tenha calma que vai dar tudo certo. Ela dizia: ‘Irmã, eu não estou bem’. Começou a revirar os olhos, eu comecei a pedir socorro, mas infelizmente não deu tempo da minha amiga chegar viva”, contou Samara, ainda muito abalada.
A Polícia Civil informou que durante as buscas, agentes do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) obtiveram informações sobre a localização de um suspeito, que confessou ter sido o autor dos disparos que mataram Silvana. Ele foi autuado em flagrante no domingo (2) e está custodiado em uma unidade policial da capital.
A reportagem tentou contatar o dono do estabelecimento em que o crime aconteceu, na Rua Manoel Nogueira, mas ele não foi localizado. A Polícia Civil não respondeu se ele é investigado e nem se possui autorização legal para a posse de arma de fogo.
Protetora dos animais
A morte precoce de Silvana Conceição pegou os moradores de Cabula VI de surpresa. A técnica de enfermagem utilizava seus saberes na área de saúde para ajudar vizinhos, além de ser reconhecida na localidade por proteger os animais de rua. Não era incomum que pessoas abandonassem cães e gatos na frente do seu prédio, já que ela tinha a fama de ajudá-los.
“Ela era uma pessoa espetacular. Não aguentava ver um animal na rua que mobilizava as pessoas para alguém levar para casa […] Todo mundo aqui no bairro conhece Silvana. Ela não sabia dizer não, estava sempre solícita para todos”, disse Samara Bandeira, 37, que estava com Silvana durante o crime. Atualmente, Silvana trabalhava no setor financeiro de um escritório de advocacia.
“Eu a conhecia desde pequena, fomos criadas juntas como irmãs. Ela era minha pessoa preferida na vida. A gente dizia que iria envelhecer juntas, uma cuidando da outra”, lamentou.
A comoção foi tanta que logo após o enterro, que aconteceu às 16 horas, amigos e conhecidos se mobilizaram no final de linha do Cabula VI, onde realizaram um protesto e homenagearam Silvana. Dezenas de pessoas participaram dos ato e carregavam cartazes estampados com pedidos de justiça.
“Silvana era uma ativista animal que cuidava de todos os bichinhos aqui do bairro. Ela fazia de tudo: alimentava, castrava e ajudava no processo de adoção. É tudo muito triste, ela era uma pessoa querida”, afirma Mariana Caldas, moradora do bairro que organizou a caminhada. O crime aconteceu a cerca de 400 metros de sua casa.
Moradores do Cabula VI denunciam insegurança
O contador João Jorge, de 63 anos, mora desde o início dos anos 1990 no Cabula VI e nunca esteve tão assustado com a violência como nos últimos tempos. Sua percepção é de que a insegurança aumentou consideravelmente depois dos dois anos de pandemia.
“Nós precisamos chamar a atenção para a criminalidade do bairro. A gente tem medo de sair de casa. Antes era só quando escurecia, agora é a todo momento”, lamentou o homem que esteve presente no protesto dessa segunda-feira (3). João Jorge teme principalmente pela sua filha de 18 anos.
“Eu sou mais reservado por conta da idade, mas ela está começando a se inserir no meio social agora e a gente fica aflito, com medo quando os filhos saem de casa”, desabafou.
A insegurança mexe com a rotina dos moradores do Cabula VI. O professor Rubens Dantas, 45, por exemplo, tinha o costume de frequentar a praça localizada próximo ao final de linha para realizar exercícios, mas desistiu pelo medo. “Antes a praça ficava cheia de senhores e senhoras que faziam exercício às 18h, mas agora está ficando vazia”, diz.
A sensação de que a criminalidade toma conta do bairro não é à toa. Na última quinta-feira (30), um suspeito de praticar assaltos foi morto por um policial militar na Estrada da Cachoeirinha, no Cabula VI. Antes da morte, o suspeito e um comparsa teriam assaltado uma idosa nas primeiras horas da manhã, de acordo com a Polícia Militar.
Moradores dizem que casos não são isolados e que o policiamento no bairro precisa ser reforçado. No dia 7 de janeiro, dois assaltantes tentaram roubar o carro de um homem, que reagiu. A gravação da câmara de segurança mostra o momento em que a arma do suspeito parece falhar e os homens fogem sem levar o veículo.
A Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) foi questionada sobre quais medidas têm tomado para garantir a segurança do bairro, mas não se pronunciou até a publicação desta reportagem.