“Tava ruim lá na Bahia, profissão de boia-fria/ Trabalhando noite e dia, num era isso que eu queria/ Eu vim me embora pra ‘Sum Paulo'”. Foi com a música Jumento Celestino que a banda Mamonas Assassinas deu início ao seu primeiro e único show na capital baiana, no dia 23 de dezembro de 1995, um sábado. O show, marcado para 17h, no Clube Espanhol, contou ainda com apresentações do cantor Ricardo Chaves e do grupo Gera Samba, antes de virar É O Tchan, que encerrou a noite.
A lembrança é do comunicólogo Marcos Loureiro, 40, que na época foi ao show com dois amigos, mas para ver o Gera Samba. “Nós combinamos de ir ao show para ver o Gera Samba, que estava no auge com Carla Perez e Débora Brasil. A gente estava mais distante do palco, mas quando Dinho entrou correndo passando pela bateria, balançando os braços e as pernas, subindo na caixa de som e dizendo ‘Eu sou da Bahia, porra, minha terra’, não tive como não chegar mais perto”, conta. Para quem não sabe, o vocalista do Mamonas nasceu em Irecê, no Centro Norte baiano.
Na plateia, crianças e adolescentes, em sua maioria, se espremiam para ver o grupo, formado por Júlio Rasec, Dinho, Bento Hinoto e pelos irmãos Sérgio e Samuel Reoli. O show aconteceu menos de três meses antes do acidente aéreo que matou os cinco músicos, no dia 2 de março de 1996, que hoje completa 20 anos.
Já o engenheiro Dimitri Alcântara, 35, bate o pé e diz que a música que deu início ao show foi Cabeça de Bagre. “Eles começaram com aquela que diz ‘Quando eu repeti a 5ª série/ tirava E, D, de vez em quando um C’. Lembro claramente, era uma música que eu gostava bastante e estava arranhando no violão”, comentou, ao lembrar que ele chegava do colégio e sintonizava na Transamérica para poder gravar na fita cassete as músicas da banda. “Eu chegava a ligar para a rádio pedindo para tocar”.
Na época com 15 anos e na 8ª série, Dimitri conta que pediu o ingresso de presente ao pai por ter passado de ano. “Fui com um colega de colégio e a gente se divertiu muito. Já tinha o disco da banda e sabia cantar todas as músicas do show. Musicalmente falando, eles eram muito bons. As músicas traziam um leque de estilos musicais extremamente amplo, que ia da música tradicional portuguesa até o heavy metal. Todos eles eram músicos extremamente habilidosos também”, opina.
Vinte anos atrás, a internet engatinhava, não havia smartphones, nem câmeras digitais. Devido aos poucos registros existentes, o setlist do show não pôde ser reconstruído a não ser com base nas memórias de quem lá esteve.
Por isso, Loureiro jura que a segunda música da noite foi Vira-vira, seguida de todos os outros sucessos da banda. Dentre as mais esperadas, Pelados em Santos. “Era a música mais especial”, resume Dimitri Alcântara. No Carnaval de 1996, os Mamonas eram cantados em todos os trios elétricos de Salvador.
Estourados
Para Marcos Loureiro, apesar de o grupo ser presença constante em programas de TV na época, foi somente no dia do show que ele atentou para o trabalho dos Mamonas. “Eu estagiava no Banco do Brasil, ali nas Mercês, e na segunda-feira depois do show, combinei com esses meus amigos, que também trabalhavam lá, de ir a uma loja de discos no Shopping Piedade para comprar o CD dos caras. Quando a gente chegou, tinha esgotado. Tivemos que esperar uma semana para comprar”, lembra.”Eu vi um show dos caras e para apagar isso da memória é difícil”, completa.
O sucesso meteórico da banda entre os anos de 1995 e 1996 pode ser medido pelo número de vendas do seu único álbum – 3 milhões de cópias -, mas também pela agenda lotada de shows, eventos de divulgação e gravação de programas de rádio e TV. Entre meados de agosto de 1995 e março de 1996, os Mamonas estiveram presentes em quase 150 eventos.
Segundo o cantor Ricardo Chaves, 52, que abriu o evento, os Mamonas estavam com dificuldade em marcar uma data para show em Salvador. Por conta disso, as produções fizeram uma parceria. “Na época eu estava estreando no Coruja – 1996 era o primeiro ano do bloco -, tinha acabado de sair do Crocodilo. Estava difícil para eles e eu já tinha essa pauta marcada no Espanhol, então, nos juntamos ao mesmo evento”, conta.
“Eu estava super curioso em assistir os Mamonas, primeiro porque eles eram um sucesso estrondoso, depois porque eu queria ver se era somente uma piada e como era a apresentação deles enquanto performance. Fiquei assistindo o show inteiro do palco – cheguei a cumprimentar eles nessa passagem do meu show de abertura para o deles -, e me impressionou muito porque eles tocavam de verdade musicalmente falando. Não era uma piada. Eles faziam música com verdade e a piada fazia parte do show deles”, afirma.
Ainda segundo o cantor, toda a banda e até mesmo a produção riam o show inteiro. “Eles se divertiam fazendo aquilo. Mesmo com toda a pressão, com a agenda lotada, eles estavam curtindo muito tudo aquilo. Não sei por quanto tempo iriam aguentar, mas estavam gostando”, opina.
Na plateia, um público diverso, tanto em questão de gosto, quanto de idade – muitas crianças compareceram ao show. Ricardo Chaves lembra ainda que a classificação era de 12 anos refletiu uma preocupação da produção . “A gente sabia que a demanda desse público seria grande, porque além dos Mamonas, tinha o Gera Samba, que também estava estourado e tinha um apelo infantil muito forte. Mas tinha gente de todas as idades”, lembra.
O fotógrafo Edson Ruiz, autor da maioria das imagens que ilustram essa matéria, afirma que foi convocado para a cobertura do show com duas missões: registrar os fogos de artifício disparados pela banda em cima do palco e ter atenção para o público, já que a banda iria atrair muitas crianças. “Eu trabalhei no CORREIO por dois anos e uma coisa que eu me lembro bem foi exatamente essa orientação. Chegaram a dizer para eu tomar cuidado com os Mamonas ‘tudo pode acontecer, eles são meio malucos’, me disseram”, recorda.
O fotógrafo também ressalta a leveza com que a banda conduzia a apresentação . “O show me surpreendeu muito, não era nada do que a gente estava acostumado a cobrir. Eles brincavam mesmo no palco e eu ri demais naquele dia. Os caras tinham uma energia fantástica. Acho que isso está ligado a uma genialidade, que é o que vejo hoje em Neymar, no sentido de que ele entra em campo pra jogar, sim, mas também para brincar com a bola”, compara.
Apesar de ter fotografado Carla Perez descendo na boquinha da garrafa, Edson não se lembra da presença das outras atrações no dia. “O show de Gera Samba e Ricardo Chaves eu não lembro, nem sabia que eles tinham se apresentado no dia”, admite sem culpa.
Nesses vinte anos sem os Mamonas, qualquer elemento que remeta ao grupo se transforma em relíquia. Tanto assim, que ingressos, CDs, camisetas, pôsteres, revistas e até álbum de figurinhas podem ser encontrados à venda na internet. Os preços variam de R$ 1,50, por cada figurinha do álbum, a R$ 700, pelo CD autografado pela banda após o último show em Brasília.
A jornalista Milena Brasil, 33, recuperou recentemente uma foto do ingresso do show que os Mamonas fizeram aqui em Salvador. Há quatro anos, ela, que não compareceu ao evento, resolveu escrever e deixar registradas memórias sobre esse dia, na voz de amigos. “Tem quatro anos que fiz esse texto para um blog que tenho com mais duas colegas, justamente por não encontrar nada da internet sobre essa apresentação deles. Não lembro exatamente onde achei a imagem desse ingresso, mas além disso, não achei nem fotos, nem vídeos. Eu tinha 13 anos na época e meus pais não deixaram eu ir”, explica.
A homenagem de Milena fez outras pessoas compartilharem suas lembranças nos comentários. “Era muito pequena e realmente não lembro quantos anos tinha, mas me recordo da emoção de entrar no Clube Espanhol para um show”, disse Clarice, que tinha menos de 12 anos na época.
“Fui apresentada aos Mamonas por uma amiga e quando soube que eles iriam fazer um show aqui, enchi o saco de minha mãe para me levar, até que ela conseguiu me empurrar para uma amiga que já ia para o evento. Pela censura eu não poderia entrar, mas com a cara toda maquiada e um salto, quem iria dizer que não tinha 12 anos?”, lembrou.
Para ela, o momento mais marcante foi quando Dinho cantou uma música e duas estruturas que ficavam na frente do palco começaram a soltar fogos de artifício. “Não lembro qual era a música, mas tenho a impressão que era a do corno, porque ele estava com o chapéu com chifres”, conta. A cena também foi lembrada por Ricardo Chaves. “Os fogos saiam das costas dele, era tipo uma espiral de fogo, bem legal”, diz.
Pouco menos de três meses depois, todo o Brasil foi surpreendido com a morte dos cinco músicos e de outros quatro tripulantes da aeronave que saiu de Brasília com destino a São Paulo, mas se chocou contra a Serra da Cantareira, na noite do dia 2 de março de 1996. “Eu lembro de ficar assistindo a televisão o dia todo, porque era algo inacreditável. Eu coloco o impacto da morte deles no mesmo patamar da morte de Senna. Eu lembro exatamente onde eu estava, como eu estava. As duas bombardearam na TV em manhãs de domingo”, compara.
Presente
Ainda hoje, vinte anos depois da morte de todos os integrantes da banda, o grupo Mamonas Assassinas continua a ser ouvido, cantado e lembrado com muito saudosismo. Em um levantamento inédito divulgado esta semana, o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) mostrou quais as músicas do grupo mais tocadas e também mais regravadas por outros artistas.
Desde 2004 até 2015, as músicas mais tocadas dos Mamonas Assassinas em festas, shows ao vivo e rádios foram Pelados em Santos, Robocop Gay e Vira-vira. Também segundo o Ecad, entre as canções mais regravadas por outros artistas estão no Top 5, respectivamente, Pelados em Santos, Robocop Gay, Chopis centis, Vira-vira e Sábado de Sol.
Em 2011, o documentário Mamonas Para Sempre, dirigido por Cláudio Kahns, chegou aos cinemas. A ideia é que o trabalho resultasse em um longa de ficção – que seria estrelado por Rodrigo Faro, e segue na gaveta -, mas a pesquisa rendeu tanto que o diretor decidiu reunir os depoimentos de pessoas ligadas ao grupo, produtores, jornalistas e familiares que durante os sete meses de carreira acompanharam a banda.
Este ano, os Mamonas Assassinas vão ganhar uma grande homenagem no teatro. O Musical Mamonas tem estreia prevista para o próximo dia 11, em São Paulo, e deve passar por diversas cidades – Salvador já está escalada para o segundo semestre. Com direção de José Possi Neto e texto de Walter Daguerre, o espetáculo conta, no elenco, com Ruy Brissac, Arthur Ienzura, Elcio Bonazzi, Yudi Tamashiro e Adriano Tunes. O espetáculo não contará apenas com composições do grupo. Também fazem parte do repertório músicas de bandas como Titãs, Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii, Guns N´Roses e Rush. Com informações do Correio.
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